Compradores Omnichannel e Vendedores Híbridos

A democratização das conexões digitais nos últimos dez anos vem transformando a nossa sociedade em muitas áreas. Descrevemos este fenômeno no IESE como densidade digital [i]: a porcentagem de dados conectados por unidade de atividade social (unidade de negócios, organização, setor, cidade, região ou país). À medida que a densidade digital se intensifica, as linhas antes bem definidas entre os mundos digital e físico começam a desaparecer, forjando um novo ambiente misto, em um processo conhecido como transformação digital. Assim, vimos a inclusão de milhões de ‘desbancarizados’ por meio de aplicativos, o nascimento de novos modelos de negócios totalmente digitais, a ampliação exponencial do acesso e compartilhamento de informações, o empréstimo entre pares, meios de transferência bancária sem tarifas, o crescimento dos gurus digitais, um varejo físico e tradicional tendo que realizar suas vendas de forma totalmente online durante quase dois anos…

Mutatis mutandis: gosto de dizer para meus alunos que a mudança em si não é grande novidade. Devemos estar atentos em como estas alterações de contexto afetam os comportamentos, e o varejo tem sido um rico campo para acompanhar esta evolução no comportamento de consumo.

Encontrei evidências de um padrão em que os clientes adquirem produtos e serviços por meio de lojas físicas, canais on-line e móveis, de maneira alternada e simultânea, não dependendo tanto dos vendedores como fonte de informação e escolhem quando é conveniente deslocar-se até os pontos físicos. Este é o comportamento que foi definido por Yurova et al. 2016 como: “OCC – OmniChannel Consumer”[ii] e foi mapeado nos Estados Unidos, Inglaterra, Rússia e Singapura. Tive oportunidade de realizar pesquisas no Brasil e confirmei que este padrão de comportamento [iii] está presente entre os varejistas nacionais.

As consequências desta evolução são dramáticas. Se antes o negócio do varejo era garantir estoque, despertar o interesse para os seus produtos e levar os clientes até uma ampla rede física de lojas, agora os líderes deste segmento têm que pensar também em produtos cada vez mais customizados, tendências que surgem fora das pesquisas de mercado convencionais e consumidores que utilizam as avaliações de outros clientes como critério de decisão. Além disso, a comparação de preços é instantânea, a exigência de retorno é rápida e a experiência deve ser “sem fricção”; porque muitos dos clientes omnichannel veem o deslocamento até um ponto físico como um custo que precisa ser compensado.

Em 2018, minha pesquisa na Livraria Cultura[iv] identificou que 81% dos clientes entrevistados tinham este comportamento omnichannel porque: (1) comparavam os preços de diferentes lojas utilizando internet, dispositivos móveis e outras lojas de varejo antes de finalmente decidir onde fazer a sua compra, (2) pesquisavam várias lojas online e de varejo antes de escolher onde fazer a sua compra, (3) faziam um esforço adicional no início da compra para obter informações sobre ele.

Entre os vários impactos para o negócio da Livraria Cultura, me impressionou como este tipo de cliente alterou o relacionamento com os vendedores, modificando o contexto de vendas e o processo comercial, levantando questões relevantes como: qual é o papel da loja física? Para que servem os vendedores?

O cliente da Livraria Cultura tem muitas opções para não ter de ir até a loja física e comprar um livro. Quando ele se desloca, ele já tem muitas informações prévias sobre o livro que está buscando, e mesmo se ele encontrar algo diferente na loja, ele conseguirá comparar preços, obter avaliações de outras pessoas sobre aquele item, folhear algumas páginas e terminar a sua compra online em um concorrente mais barato.

Recentemente, encontrei evidências de que o comportamento omnichannel também pode afetar o processo comercial no B2B. Uma pesquisa realizada pelo LinkedIn [v] com 17000 profissionais de idade entre 21 e 40 anos, gerou um perfil denominado: BETA. Esta é a primeira geração digitalmente nativa a assumir posições de liderança em nossas empresas. O acrônimo foi criado para sintetizar um estilo Blurred (Borrado) em que a separação entre profissional e pessoal é menos perceptível para eles no ambiente de trabalho, Evolving (Evoluindo) com uma identidade definida pelo status profissional, marca pessoal e expectativa de mudanças constantes, Tech Natives (Nativos Tecnológicos) acostumados ao alto nível de mobilização e densidade digital de nosso contexto e Activist (Ativista) mais sensível ao “ambiente fora do mercado”, questionando sobre questões como as causas  sociais, ambientais, etc.

Os profissionais BETA que atuam na área de supply podem ser considerados um novo tipo de OCB – “Omnichannel Buyers”. Conforme demonstrado na pesquisa do Linkedin: cerca de 40% dos BETA entrevistados disseram ter influência em todas as etapas do processo de compra, incluindo a identificação da necessidade do negócio (57%),   pesquisa de potenciais fornecedores (41%), avaliação de fornecedores (40%) e a aprovação da compra final (47%). Este novo perfil de comprador, tem semelhanças com o comportamento OCC que encontramos no varejo B2C:

  • Eles utilizam uma ampla gama de canais e ferramentas para selecionar o fornecedor. Estes meios são centralizados no celular: pela primeira vez na história o mobile superou a utilização de outros devices no trabalho;
  • Os canais “antigos ou tradicionais” não foram abandonados, mas eles se tornaram menos proeminentes no processo de compra;
  • Como consequência, vemos uma manutenção da redução de encontros presenciais no pós-covid para muitos segmentos do B2B.

Assim como aconteceu no varejo B2C, o crescimento do comportamento de compra omnichannel exigirá ajustes na forma de se conectar e criar relacionamentos no B2B.  No relatório B2B Pulse 2021 [vi] foi apontado que dois terços  dos compradores pesquisados preferem a interação remota ou um “self-service digital” do que a interação presencial. Oito em cada dez tomadores de decisão B2B disseram também que o omnichannel é tão ou mais eficaz do que métodos tradicionais, um sentimento que cresceu após os anos de COVID.

Os números de comércio eletrônico no B2B seguem a tendência de crescimento constante geral: 41% dos líderes dizem que é o caminho de vendas mais eficaz, superando o presencial (37%) e o vídeo (31%).

O Gartner publicou outro estudo recente que reitera esta tendência de digitalização do comportamento dos compradores B2B e demonstrou como esta evolução exigirá uma nova abordagem comercial. Nas cinco maneiras pelas quais o futuro da compra B2B reescreverá as regras da venda eficaz [vii] vemos que o processo de decisão de compra se tornou mais complexo e difícil. A ampliação de canais, somada ao crescimento exponencial de informações relevantes, transformou esta jornada em um processo tortuoso onde:

  • Os compradores estão inundados de informação. Conteúdos não são mais um diferencial;
  • Está ficando cada vez mais difícil fazer com que as mensagens rompam as barreiras da escassez do tempo e indisponibilidade dos compradores. O ceticismo dos compradores quanto às reivindicações dos representantes comerciais tende a aumentar de acordo com as gerações: millenials são o dobro de vezes mais céticos do que seus pares baby boomers;
  • A realidade geracional também afeta a expectativa dos compradores: 54% dos millenials afirmaram que preferem realizar um processo de compra sem interação alguma com vendedores, este número é de 29% entre baby-boomers;
  • O tempo está comprometido com atividades-chave em que ele está no controle. Cerca de 67% do tempo do comprador está alocado na busca de fornecedores, de forma independente on/off, e em reuniões com a sua equipe interna de compras. Apenas 17% do tempo dele é dedicado a reunir-se com potenciais fornecedores;
  • O número de canais que um comprador utiliza para definir seu parceiro dobrou entre 2016 e 2021. Antes, compradores citavam cinco canais (email, contato presencial, telefone, site e portal de procurement), agora eles usam dez ou mais!

A mesma necessidade de orquestração de jornada e canais que vemos no varejo B2C pode ser percebida também no esforço que a área comercial está fazendo no B2B. A pesquisa da McKinsey [viii] com 3500 decisores em doze mercados é categórica: não existe exceção; todos os clientes B2B querem uma experiência omnichannel e um vendedor híbrido.

O Professor de vendas do IESE Cosimo Chiesa vem alertando a algum tempo que o vendedor híbrido não é uma necessidade do mundo pós-covid, mas uma realidade de um contexto em que as redes sociais triunfaram[ix]. É preciso saber aproveitar as novas plataformas para vender mais e melhor.

A omni presença do comportamento de compra no B2C e B2B, está afetando fortemente os negócios e os seus processos comerciais. Não se assuste com a mudança, comece a pensar desde já como tornar suas jornadas mais adequadas e integradas para estes diferentes perfis de clientes e compradores.

 


Referências

[i] https://ieseinsight.com/doc.aspx?id=1942&ar=5&idioma=2

[ii] https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0969698916000047

[iii] Capítulo 15 do Livro Os Paradigmas da administração: princípios e contextos

[iv] https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/21513/2/Renato%20Braga%20Fernandes.pdf

[v] https://business.linkedin.com/marketing-solutions/b2b-institute/b2b-research/trends#all

[vi] https://www.mckinsey.com/business-functions/growth-marketing-and-sales/our-insights/survey-global-b2b-decision-maker-response-to-covid-19-crisis#print

[vii] https://www.gartner.com/en/documents/3988440

[viii] https://www.mckinsey.com/business-functions/growth-marketing-and-sales/our-insights/the-new-b2b-growth-equation

[ix] https://www.enriquedemora.com/recomendaciones/la-venta-hibrida-sesion-online-iese-cosimo-chiesa/

About
Renato Fernandes
Professor de Marketing com ênfase em Vendas e Membro do Núcleo de Estudos em Negociação, Conflito e Comunicação Mestre em Marketing | PUC-SP Programa de Desarollo de Directivos | IAE Business School Sales Performance: Helping Client to Succeed Facet5: The Power of Personality Graduado em Comunicação Social | PUC-MG Como executivo liderou todo o ciclo comercial de empresas de educação executiva em Minas Gerais e São Paulo. Como Professor, desenvolveu milhares de pessoas em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Brasília. Como Consultor desenvolveu projetos para empresas dos segmentos de mineração, varejo, tecnologia, frotas, hospitalidade, saúde e gestão pública.
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