Omnichannel Consumers, OmniCustomers ou OmniShoppers não são uma mera tendência

A democratização das conexões digitais nos últimos dez anos vem transformando a sociedade em muitas áreas. No IESE, este fenômeno é descrito como densidade digital[i]: a porcentagem de dados conectados por unidade de atividade social (unidade de negócios, organização, setor, cidade, região ou país). À medida que a densidade digital se intensificou, as linhas, antes bem definidas entre os mundos digital e físico, começaram a desaparecer. Foi graças a isso que ocorreu a inclusão de milhões de desbancarizados no sistema financeiro seja por meio de aplicativos, novos modelos de negócios digitais,ampliação exponencial de acesso e compartilhamento de informações em tempo real,  crescimento dos influenciadores digitais, entre outros.

Além da internet, o grande catalizador da densidade digital é o smartphone. No Brasil, de acordo com o IBGE (2018), 116 milhões de pessoas (64,7% das pessoas acima de 10 anos de idade) possuem acesso à internet. O celular se tornou o principal meio de conexão digital (94,6%), à frente de computadores (63,7%), tablets (16,4%) e smartvs (11,3%).

Entre os vários setores que estão sendo impactados pelo aumento da densidade digital, o varejo é um dos mais relevantes. O negócio de varejo refere-se à venda de bens e serviços aos consumidores. As transações que conectam produtores e clientes, ocorrem por meio de vários canais de distribuição em uma ampla gama de segmentos: bens de consumo em geral, veículos, combustíveis e varejo de serviços.

Embora o varejo físico seja o canal dominante neste mercado, outras formas de varejo estão se tornando cada vez mais populares. O varejo on-line ou os canais de comércio eletrônico estão conquistando uma fatia relevante de consumidores em muitos mercados globais[ii]. Em 2021, o mercado global de varejo gerou vendas de mais de 26 trilhões de dólares, com previsão de chegar a mais de 30 trilhões de dólares até 2024.

No Brasil, o varejo ampliado e restrito representou 11,08% do PIB e 25,8% dos trabalhadores formais brasileiros (incluindo segmento de venda e reparação de veículos) em 2021[iii]. Como maior empregador do país, muitos executivos do varejo estão se questionando sobre como implementar as mudanças em seus modelos de negócio para atender a um novo tipo de cliente[iv]. Na prática, o que observamos é que o incremento da densidade digital no setor gerou um novo comportamento social e um novo padrão de consumo. Agora os clientes transitam pelos canais das empresas buscando as melhores vantagens antes de realizar a compra, e comparam, em poucos segundos, os benefícios das várias ofertas disponíveis.

Se em 2013 a indicação era desenvolver uma estratégia omnichannel[v], agora o desafio é compreender melhor quem é este novo cliente. As pesquisadoras Yurova et al. (2016) definiram este comportamento como “OCC – OmniChannel Consumer”[vi]. No Brasil[vii], foi confirmado que o padrão de comportamento OCC (clientes omnichannel) também está presente entre os varejistas nacionais. Os clientes omnichannel brasileiros são aqueles que: adquirem produtos e serviços por meio de lojas físicas, canais on-line e móveis, de maneira alternada e simultânea, não dependendo tanto dos vendedores como fonte de informação e escolhendo quando é mais conveniente deslocar-se até os pontos físicos.

Já existem evidências de que as consequências desta evolução de comportamento de consumo são dramáticas para o varejo. Se antes os líderes do setor visavam garantir estoque, despertar o interesse para os seus produtos e levar os clientes até uma ampla rede de lojas, agora o desafio é pensar em produtos personalizados, acompanhar tendências que surgem fora das pesquisas de mercado convencionais e influenciar consumidores que utilizam as avaliações de outros clientes como principal critério de decisão de compra. Além disso, a comparação de preços é instantânea, a exigência de retorno é rápida e a experiência deve ser “sem fricção” – pois muitos clientes omnichannel veem o deslocamento até o ponto físico como um custo que precisa ser compensado.

Os autores Sopadjieva, Dholakia e Benjamin (2017)[viii] publicaram uma pesquisa realizada com 46.000 clientes do varejo americano que realizaram compras durante os meses de junho de 2015 a agosto 2016. Ao avaliarem as preferências nos canais de compra, identificaram que apenas 7% dos clientes eram compradores exclusivos do canal online, 20% eram exclusivos do canal físico e 73% utilizavam múltiplos canais durante sua jornada de compra. A maioria dos clientes avaliados eram OmniCustomers, pois gostavam de utilizar todos os pontos de contato da empresa: comprando online e buscando na loja, deslocando-se até a loja para fazer showroming[1]ou comparando preços no aplicativo e utilizando os catálogos interativos nas lojas.

Os autores descobriram que quanto mais os canais eram utilizados, mais esses clientes se tornavam valiosos. Por exemplo, os OmniCustomers que utilizavam mais de quatro canais, gastavam 9% a mais nas lojas físicas e 10% a mais nos canais online do que seus pares que utilizavam apenas um canal. Além disso, esses clientes realizaram 23% mais compras repetidas nas lojas e obtinham uma propensão maior para recomendar a empresa para familiares e amigos.

Um estudo global da Criteo (2017)[ix] identificou que no varejo brasileiro, o omnishopping é quase onipresente: 79% das 1.000 pessoas entrevistadas foram classificadas como Omnishoppers. Entre os compradores, 85% preferem comprar online sempre que possível, 76% gostam de comprar em lojas físicas quando têm tempo, 58% gostam de comprar nas lojas físicas para conferir as tendências e 54% gostam de comprar online em sites novos. Ao contrário do que muitos pensavam, os varejistas que operam em canais exclusivamente online não conseguem atender plenamente a jornada deste Omnishopper. Os clientes com este comportamento consideram as lojas físicas importantes, especialmente quando existe uma necessidade imediata do produto, a equipe de vendas é bem-informada e a localização é conveniente.

Após a crise sanitária da COVID-19, muito se falou sobre o que seria o comportamento do “novo normal”[x]. Pesquisadores, consumidores e executivos se questionavam sobre o que permaneceria como um hábito entre os vários comportamentos de consumo digitais forçados durante a pandemia. Uma das dúvidas centrais de muitas pessoas era a relevância das lojas físicas. Se muitas pessoas ficaram um bom tempo comprando apenas por meio do canal digital, será que os clientes necessitariam do canal físico depois da pandemia? Os efeitos da COVID-19 somadas à modificação do contexto competitivo, aumento de concorrência, alteração de comportamento de consumo, fizeram com que muitos acreditassem que este seria o apocalipse do varejo tradicional[xi][xii].

Para Matthew Shay, Presidente da Federação Nacional de Varejo (NRF), o apocalipse do varejo é um mito. Segundo ele: “esta ideia ignora o forte crescimento das vendas que o setor tem registrado a cada ano na última década. A COVID-19 acelerou certas tendências nos últimos anos, à medida que os varejistas reinventam a experiência do cliente, unindo os canais online e offline”[xiii]. De fato, novas pesquisas[xiv] apontam que embora o e-commerce tenha crescido em 2021, à medida que os países relaxaram as suas restrições, as compras em lojas físicas foram retomadas.

Tudo indica que o comportamento de consumo omnichannel é resiliente: os clientes estão comprando mais itens de novas formas, e aos poucos, estão se tornando mais relevantes para as companhias. No relatório anual da Raia Drogasil por exemplo, pudemos observar que os clientes omnichannel representaram 50,1% da base de clientes leais e 84,5% das vendas desse segmento em 2021. Isto aconteceu porque eles tiveram uma frequência de compras quase duas vezes maior do que os outros clientes leais da empresa[xv].


PESQUISA - Comportamento Omnichannel e a Força do Relacionamento Local
Omnichannel Consumers, OmniCustomers ou OmniShoppers não são uma mera tendência. Eles representam uma parcela, cada mais significativa, de clientes de um novo contexto de varejo que evoluiu graças ao incremento da densidade digital e aos desafios enfrentados durante a pandemia de COVID-19. Com esta evolução, a fronteira entre bancos, fintechs, bigtechs e demais empresas de varejo que oferecem serviços financeiros desapareceu. Hoje, é possível abrir uma conta, adquirir cartão e movimentar sua conta diretamente na sua loja de varejo preferida. Apesar da relevância deste tipo de comportamento de consumo, pouco se sabe sobre como ele impactará o negócio dos bancos de varejo e as cooperativas de crédito no Brasil. Por isso, na pesquisa “Comportamento Omnichannel e a Força do Relacionamento Local” apresentaremos um estudo de caso inédito realizado na Sicredi Interestados (RS) com 529 associados da cooperativa.
Acesse a pesquisa na íntegra

REFERÊNCIAS

[1] Showrooming é aquele comportamento do cliente no qual ele busca em uma loja tradicional produtos que, posteriormente, pretende adquirir na online.

[i] https://ise.org.br/blog/compradores-omnichannel-e-vendedores-hibridos/

[ii] https://www.statista.com/topics/5922/retail-market-worldwide/#dossierKeyfigures

[iii] https://sbvc.com.br/o-papel-do-varejo-na-economia-brasileira-atualizacao-2022-sbvc/

[iv] https://administradores.com.br/noticias/transformacao-digital-no-varejo-o-maior-desafio-do-setor

[v] https://sloanreview.mit.edu/article/competing-in-the-age-of-omnichannel-retailing/

[vi]  https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0969698916000047

[vii] https://www.atenaeditora.com.br/catalogo/post/consumidores-omnichannel-brasileiros

[viii] https://hbr.org/2017/01/a-study-of-46000-shoppers-shows-that-omnichannel-retailing-works

[ix] https://www.criteo.com/br/wp-content/uploads/sites/5/2017/12/TheShopperStory_BR.pdf

[x] https://www.mckinsey.com/featured-insights/leadership/the-next-normal-arrives-trends-that-will-define-2021-and-beyond/pt-BR

[xi] https://www.businessinsider.com/retail-apocalypse-means-80000-store-closures-next-5-years-2021-4

[xii] https://veja.abril.com.br/economia/vencida-pelo-comercio-eletronico-a-macys-vive-o-apocalipse-do-varejo/

[xiii] https://www.infomoney.com.br/negocios/o-apocalipse-do-varejo-e-um-mito-diz-associacao-comercial-americana/

[xiv]https://cev.fgv.br/noticia/72-dos-consumidores-procuram-produtos-em-lojas-fisicas-antes-de-fazer-uma-compra-online

[xv] https://www.dunnhumby.com/resources/blog/supplier-collaboration/en/the-collaborative-journey-how-raia-drogasil-and-hypera-teamed-up-to-serve-their-customers/

[xvi] https://noomis.febraban.org.br/especialista/alessandra-montini/sera-que-os-bancos-digitais-vao-invadir-o-varejo-em-2022

 

About
Renato Fernandes
Professor de Marketing com ênfase em Vendas e Membro do Núcleo de Estudos em Negociação, Conflito e Comunicação Mestre em Marketing | PUC-SP Programa de Desarollo de Directivos | IAE Business School Sales Performance: Helping Client to Succeed Facet5: The Power of Personality Graduado em Comunicação Social | PUC-MG Como executivo liderou todo o ciclo comercial de empresas de educação executiva em Minas Gerais e São Paulo. Como Professor, desenvolveu milhares de pessoas em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Brasília. Como Consultor desenvolveu projetos para empresas dos segmentos de mineração, varejo, tecnologia, frotas, hospitalidade, saúde e gestão pública.

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