A Tomada de Decisão e a Intuição

Tomar decisões acertadas e eficazes é por óbvio essencial para o sucesso de gestores e empreendedores. Peter Drucker, há 50 anos, já alertava para a necessidade de as decisões mais críticas e estratégicas serem alcançadas por meio de processos estruturados.

Nas últimas décadas, estudos sobre decision-making tornaram evidente a correlação entre a qualidade das decisões e a adoção de uma abordagem sistemática, com algumas etapas a serem seguidas. Com base nesses estudos, Glen Whyte, da Toronto University, sintetizou sete passos essenciais para uma tomada de decisões eficaz. “O princípio básico que sustenta esses sete passos é simples: decisões complexas, cruciais e não rotineiras que refletem esses procedimentos levam com maior probabilidade a resultados satisfatórios que outros métodos”.

Interessante notar que os passos destacados para se atingir decisões eficazes nas organizações guardam um paralelo muito grande com as etapas para solução de problemas adotadas na Engenharia e na metodologia científica.

 

Os sete passos sintetizados por Whyte são:

  1. Identificar os objetivos a serem alcançados pela decisão
  2. Gerar uma lista abrangente de alternativas bem desenvolvidas
  3. Buscar por informações que revelem a qualidade das alternativas
  4. Processar todas as informações de maneira cuidadosa e não enviesada
  5. Reconsiderar e reexaminar todos os prós e contras das alternativas
  6. Examinar benefícios, custos e riscos da alternativa escolhida
  7. Desenvolver um plano para implementação e monitorar os resultados

 

Segundo Whyte, quando existem lacunas no processo decisório, por não se percorrer todas as etapas devidamente, o sucesso da escolha fica comprometido e, quanto maiores as lacunas, maiores as chances de fracasso. Além disso, seu item #4 claramente identifica o risco de vieses, sendo talvez os mais conhecidos os vieses de confirmação (dar atenção apenas aos dados e fatos que corroborem nossas inclinações iniciais) e de ancoragem (importância excessiva dada aos primeiros dados, fatos e análises que nos chegam sobre determinada decisão a ser tomada).

Scott Keller e Mary Meaney, sócios da McKinsey, mostram que o aprimoramento nos processos decisórios das empresas tem o potencial de reduzir quase à metade o tempo necessário e pode aumentar em 35-40% a qualidade das decisões.

Aprofundando a perspectiva analítica na tomada de decisão, eles destacam que as mesmas devem ser conduzidas por processos diversos, a depender de seu impacto e de sua frequência. Decisões frequentes de impacto limitado deveriam, segundo eles, serem delegadas ao menor nível hierárquico com capacidade para tal, segundo regras e alçadas pré-estabelecidas. Por outro lado, decisões pouco frequentes e muito impactantes deveriam ter um tratamento “disciplinado” e criterioso no levantamento de dados e alternativas, à semelhança do método sugerido por Whyte descrito acima.

Entretanto, como os próprios Keller e Meaney chamam a atenção, as decisões a serem tomadas pelo conjunto de executivos de uma grande organização devem alcançar números de dezenas ou centenas de milhares todos os dias. Mesmo que as estratifiquemos, como os dois sugerem, dificilmente teremos a oportunidade ou o tempo para desenvolvermos um processo estruturado e cuidadoso para que sejam tomadas todas as decisões mais críticas ou impactantes. Além disso, muitas dessas decisões se encaixariam no que Noel Tichy e Warren Bennis classificariam como “julgamentos de crise”, para os quais muito pode estar em jogo com uma enorme pressão do tempo. Nessas situações, em que não há a alternativa de um processo metódico e consciente de tomada de decisão, é que precisamos entender no que poderíamos nos apoiar.

Nas palavras de Jack Welch, “pessoas eficazes sabem quando parar de avaliar e partir para a ação, mesmo com poucas informações.” Ainda segundo o próprio Welch, o desafio da liderança demanda que saibamos “agir com base no instinto”.

Dessa forma, à nossa capacidade de tomar decisões de maneira estruturada, como se estivéssemos resolvendo um problema, precisamos acrescentar a capacidade de compreender, desenvolver e usar nossa intuição. Essa é também a conclusão de Henry Mintzberg, professor emérito da McGill University de Montreal: “Como as decisões deveriam ser tomadas? Fácil, nós sabemos disso há tempos. Primeiro definimos o problema, depois diagnosticamos a causa e na sequência desenhamos possíveis soluções. Finalmente, decidimos qual a melhor e, lógico, implementamos a alternativa escolhida. No entanto, as pessoas sempre tomam decisões desse modo?… Muitas vezes as decisões desafiam uma lógica puramente passo-a-passo. Para serem eficazes, as empresas precisam adotar formas intuitivas ou orientadas à ação de tomada de decisões.”

Resumindo até aqui, decisões críticas devem ser tomadas quando há tempo e recursos, de maneira metódica, pois a consequência disso, segundo por exemplo os estudos da McKinsey, são decisões melhores e mais rápidas.

Resgatando uma das lições do General George Patton sobre liderança, ele nos diz que não devemos tomar decisões baseadas em premissas, mas em fatos, e que “a melhor política é postergar uma decisão tanto quanto seja possível para que mais fatos sejam coletados, no entanto, quando a decisão precisa ser feita não devemos hesitar nunca”.

Concordando com Patton, Jack Welch diz que “poucas coisas são piores do que um gestor, em qualquer nível, que se mantém indeciso”. E se não há mais fatos ou mais tempo, o que resta ao gestor é a intuição.

Para que não incorramos em equívoco – pois intuição pode significar diferentes coisas para diferentes pessoas – precisamos de uma boa definição.

Primeiro, devemos esclarecer o que não é intuição. Intuição não é um sentimento, não é uma sensação e não é algo ligado ao humor que temos em determinado momento. A intuição é formada, na maior parte das vezes de maneira inconsciente, por conta de já termos nos debruçado muito sobre algum tema, e/ou por termos adquirido sólida experiência sobre esse tema e, ainda, por termos claramente consolidados em nós os valores e os princípios morais que irão nos nortear quando nos deparamos com esse mesmo tema.

Recorrendo novamente a Welch, “muito já se escreveu sobre o mistério dos instintos, mas se trata na verdade do reconhecimento de algum padrão, não é mesmo? Você já viu alguma coisa tantas vezes que simplesmente sabe o que vai acontecer dessa vez. Os fatos talvez estejam incompletos e os dados podem ser limitados, mas a situação parece muito familiar a você.”

É importante termos em mente que essa familiaridade pode vir da experiência direta ou por meio de estudarmos com afinco e aprendermos sobre um determinado tema ou questão.

Finalizando, Rob Goffee e Gareth Jones, da London Business School, destacam como uma competência essencial aos líderes que engajam e inspiram as pessoas a habilidade de “se fundamentar largamente em intuição para avaliar o timing e o curso apropriado de suas ações”. Assim, a capacidade de observar e interpretar o contexto – uma sensibilidade criada principalmente pela experiência direta e por sua base de conhecimento1 – leva a uma capacidade quase instintiva em termos de timing e tomada de decisão.

Essa habilidade de ler fatos e dados não estruturados e de perceber nuances nos comportamentos e interações dos outros dota o líder de uma visão e de uma capacidade de antever problemas e soluções que seus subordinados não têm e que seus superiores, comitê executivo ou acionistas muito precisam para o sucesso continuado da organização.

Segundo Noel Tichy e Warren Bennis, nossa base de conhecimento abrange componentes de (i) autoconhecimento, (ii) conhecimento do negócio, (iii) conhecimento da organização e (iv) conhecimento de quais são os principais stakeholders e seus interesses.

 


Bibliografia

Drucker, P. F. (1985) – The Effective Executive. New York: Harper Business.

Goffee, R. & Jones, G. (2000) – Why should anyone be led by you? Harvard Business Review, Sep.-Oct., 63-70.

Keller, S. & Meaney, M. (2017) – Leading Organizations: Ten Timeless Truths. London: Bloomsbury.

Mintzberg, H. & Westley, F. (2001) – Decision Making: It’s not what you think. MIT Sloan Management Review, Spring, v. 43, n. 3.

Tichy, N. M. & Bennis, W. G. (2007) – Judgement: How Winning Leaders Make Great Calls. New York: Portfolio.

Welch, J. & Welch, S. (2006) – Winning: The Answers. New York: Harper Collins.

Whyte, G. (2000) – Make Good Decisions by Effectively Managing the Decision-making Process. In: Locke, E. A. – Handbook of Principles of Organizational Behavior. Oxford: Blackwell Publishing.

About
Fabio de Biazzi
Professor de Gestão de Pessoas Doutor em Organização, Trabalho e Tecnologia | POLI/USP Mestre e engenheiro de Produção | POLI/USP Pós-graduação em ADP (Accelerated Development Programme) | London Business School Pós-graduação em Psicologia Social e do Trabalho | Instituto de Psicologia/USP Pós-graduação em Gestão da Produção | Kyushu International Center (Kitakyushu, Japão) Mais de 25 anos de experiência na área de Desenvolvimento Organizacional e Gestão de Pessoas, foi diretor de Recursos Humanos e Desenvolvimento Organizacional no Grupo Estado, Grupo Santillana (Editora Moderna), e gerente na Vivo e NET. Teve passagens como consultor na Gradus Management Consultants, TerraForum, GDK e Fundação Instituto de Administração. Atualmente é conselheiro consultivo do Grupo Rede Amazônica. Iniciou sua carreira como professor há 20 anos, entre 2002 e 2005, como docente do mestrado e da graduação na Escola Politécnica da USP e de educação executiva na Fundação Vanzolini. Posteriormente, foi coordenador-geral dos MBAs do Insper entre 2005 e 2008, e passou a ministrar aulas nos programas de MBA e Educação Executiva em disciplinas sobre Liderança, Comportamento Organizacional e Gestão de Pessoas. Possui especializações em Educação Executiva realizadas em Stanford Graduate School of Business, University of Virginia Darden School of Business, London Business School, MIT Sloan School of Management, Harvard Business School e The Tavistock Institute (Londres).

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