O Poder das Histórias

Na época, em meio á pademia, observava um grupo de pequenos empresários da Guatemala que lutaram arduamente para manter seus negócios funcionando apesar de todas as restrições impostas pelo contexto. Foram meses duros; além das milhares de vidas perdidas, muitas pessoas faliram, perderam seu emprego e dignidade. Ouvimos histórias de pessoas que foram presas, outras, infelizmente, sucumbiram.

Um professor americano se reuniu com eles para tratar de um tema de gestão empresarial. A plateia do zoom está desconectada, muitos estão perdidos entre suas preocupações reais. Ele saúda a todos e se pergunta: “Será que poderá contribuir com algo impactante neste momento tão difícil?” O professor começa, então, com a história de um filho que perdeu durante a primeira gestação da sua esposa. Aquela experiência o marcou profundamente. Ele entendeu que o crescimento não é algo importante, mas sim vital para o bom desenvolvimento! Se um bebê não cresce, a mãe não pode dar à luz. As empresas – como organismos humanos e vivos – seguem esta mesma lei: elas PRECISAM crescer, independente do desafio que enfrentam.

O acadêmico termina sua introdução afirmando que irá ensinar como os guatemaltecos devem estruturar os seus negócios para se tornarem uma scale-up: uma empresa que cresce de maneira escalável e que é capaz de sustentar este crescimento por um longo tempo.

Neste momento, reparei que todos os participantes se ajustaram na cadeira e começaram a prestar muita atenção ao que ele diria em seguida…

O que vocês vivenciaram nesta pequena introdução do artigo é um dos recursos persuasivos mais antigos de nossa humanidade: contar histórias de enredo elaborado e narrativa envolvente para prender a atenção da sua audiência. Das pinturas rupestres e egípcias, passando pelas parábolas de Cristo, a tragédia grega, os contos, poesias, clássicos literários, filmes, TEDx e podcasts, o storytelling sempre foi um instrumento potentíssimo de comunicação social. Independente do meio escolhido, as boas histórias têm esta potência: ativam o pensamento, expandem a imaginação, ensinam lições importantes, emocionam, inspiram e mobilizam para ação.

A retórica é o campo de conhecimento em que estudamos o poder das histórias. Ciência antiga, datada da busca pela sapientia grega há mais de dois mil anos, ela foi definida por Aristóteles como: a “faculdade de discernir, em qualquer caso, o que é adequado com o fim de persuadir”. Esta arte social da expressão verbal e não verbal ainda permanece relevante porque nós ainda legislamos com sentenças, debatemos utilizando a linguagem, ensinamos com a fala e conduzimos reuniões com as nossas habilidades de convencimento. A palavra, tanto escrita quanto falada, é o único elemento que leva à ação humana espontânea e livre. Qualquer outra forma de mobilização seria uma coerção e uma violência.

 

Um guia para o storytelling:

Se você está buscando formas de aumentar o impacto de suas histórias, siga este guia antigo, mas poderoso, que Aristóteles ensinava a seus asseclas na Grécia antiga:

Inventio: reflita sobre sua mensagem e defina que tipo de prova dará mais força ao seu conteúdo. A audiência necessita de provas mais lógicas, emocionais ou de autoridade. O que irá chamar a atenção das pessoas neste momento?

Dispositio: encadeie a sua mensagem em uma estrutura clara e concisa. Um argumento colocado na hora errada pode não gerar o efeito que você espera. Aristóteles indicava uma disposição de mensagem dividida em quatro etapas: captar a atenção, expor o tema, dar razões para sustentar a tese, recapitular e fechar.

Elocutio: é a etapa em que escolhemos o estilo da nossa narrativa. O grande orador romano Cícero separou três elocuções distintas: movere – estilo mais nobre que visava comover a audiência, delectare – um estilo médio com fim de agradar e o docere – estilo mais simples destinado a narrar fatos.

Memoria e pronuntiatio: as duas últimas etapas são especialmente importantes para os contadores de histórias nacionais – memorizar e dominar a ação por meio do treino e aprimoramento contínuo.

Alguns dias atrás, assisti um documentário de Robin Williams que destacava sua genialidade como artista. Um dos pontos que sempre marcou sua carreira era sua incrível capacidade de criar e improvisar. Conheci muitos executivos que acreditavam partilhar deste mesmo dom de Williams, até que os colocamos em cena, com uma plateia avaliando em tempo real! Infelizmente a realidade é mais dura do que parece. Pouquíssimas pessoas conseguem ser persuasivas sem preparação, feedbacks regulares e treino orientado.

Para contar boas histórias você precisa experimentar, testar e viver. É a sabedoria prática que nos ajudará a navegar pelos cânones aristotélicos com segurança. Mas é a própria vida que nos oferece as melhores narrativas: experiências únicas que podem se conectar aos desafios, anseios e dilemas das outras pessoas. Comunicação é isso, communicare: tornar comum, compartilhar.

Nesta semana, acompanhei um Diretor Geral de uma varejista muito tradicional e que participou de nosso programa Decisões 4.0. Essa pequena pérola do comércio de livros brasileiro, com mais de setenta anos de vida, está lutando financeiramente para sobreviver aos desafios da disrupção. O CEO, membro da terceira geração da companhia, estava compartilhando conosco seu plano de futuro. Ao final de sua fala, um dos nossos alunos perguntou: Sergio, no meio deste processo de recuperação judicial e com tantos desafios de negócio pela frente, como você faz para manter sua equipe motivada? Ele respondeu: É realmente muito difícil. Tenho sido muito transparente com todos e questionado de qual história eles querem fazer parte. De uma grande empresa, estruturada, que eles tiveram a oportunidade de vivenciar ou da nossa livraria que esteve prestes a fechar mas que os tornou protagonistas da mudança?

 

Nossas histórias e as histórias de outras pessoas

Já ouvi pessoas dizendo que sua vida não tinha nenhuma experiência marcante que valesse a pena ser compartilhada. Apesar de não aceitar o argumento, sempre sugiro que elas somem ao seu repertório pessoal as histórias de outras pessoas. Depois de mais de quinze anos lecionando, palestrando e dando consultoria, agora estou aprendendo excelentes histórias em nosso podcast “O que você faria?”, conversando com profissionais que são nossos alumni e enfrentaram dilemas gerenciais interessantes. Conheci um hospital que estava para ser fechado e conseguiu reverter a situação financeira graças ao apoio dos amigos do nosso programa PMD; uma líder que assumiu a empresa da família e implementou um turnaround inesperado; um CEO que teve que fechar uma das suas maiores plantas no Rio de Janeiro e que sabia que isso impactaria negativamente a vida de milhares de pessoas; em uma empresa de cobre do sul com pretensões nacionais, uma executiva teve que voltar para a liderança da companhia depois ter ido para o conselho; a experiência de ser um estrangeiro entre nossos irmãos latinos e tantas outras histórias que podem se conectar às suas.

E você? Que histórias tem para contar?

Destrave o poder das histórias e utilize este recurso para engajar as pessoas a sua volta.

About
Renato Fernandes
Professor de Marketing com ênfase em Vendas e Membro do Núcleo de Estudos em Negociação, Conflito e Comunicação Mestre em Marketing | PUC-SP Programa de Desarollo de Directivos | IAE Business School Sales Performance: Helping Client to Succeed Facet5: The Power of Personality Graduado em Comunicação Social | PUC-MG Como executivo liderou todo o ciclo comercial de empresas de educação executiva em Minas Gerais e São Paulo. Como Professor, desenvolveu milhares de pessoas em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Brasília. Como Consultor desenvolveu projetos para empresas dos segmentos de mineração, varejo, tecnologia, frotas, hospitalidade, saúde e gestão pública.

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