Retorno sobre experiência: uma nova métrica ou mais do mesmo?

O recente documentário da Netflix intitulado “O Dilema das redes” (The Social Dilemma) expôs com competência um problema – ou vários – que estão em discussão em fóruns universitários e profissionais nas últimas décadas referentes à privacidade dos dados disponíveis nas redes e na internet de uma forma geral.

A denúncia não é nova, mas a forma como foi apresentada mostra uma articulação dos players envolvidos que vai muito além do negócio. Deixa implícita a afirmação de que a manipulação dos indivíduos não tem limite moral. Tudo o que a técnica permitir fazer, esses players farão para melhorar sua rentabilidade e o domínio sobre os mercados.

Obviamente que não se trata apenas de mercados, mas de vidas humanas e de sociedade. E aí é que a situação chega ao extremo da complexidade.

Por um lado, somos todos consumidores cada vez mais exigentes com nossas demandas de qualidade, velocidade, conveniência, e um longo etc., e, por outro lado, o “preço” desse atendimento nota 10 demandado exige uma disponibilidade cada vez maior dos dados de comportamento.

Muitos procedimentos envolvidos na obtenção desses dados são inconscientes por parte do consumidor, mas ele querendo o resultado final (a melhor compra possível) se dispõe a colaborar cada vez mais com as empresas que o atendem e que registram tudo o que fazem para prever comportamentos futuros e influenciá-los.

Já foi a época em que as empresas vendiam produtos e ponto. Hoje elas vendem a experiência. A maioria dos softwares e aplicativos da web coleta dados anônimos do usuário e os envia ao desenvolvedor. Com informações obtidas por meio de dados anônimos, o produto pode ser aprimorado continuamente. As constantes interações do produto acompanham as expectativas de mudança do usuário, mantendo uma experiência positiva com o produto e a marca.

No entanto, sabemos que o anônimo aqui é uma ficção. Há meios mais que suficientes para identificar os usuários, se for relevante para ação comercial, e isso abre para possibilidades mais complexas de manipulação no campo social, político, psicológico etc. A situação paradoxal pode ser resumida da seguinte forma: o cliente quer o melhor, o mais rápido possível, sem dores de cabeça e a preço justo. Para isso, ele tem que colaborar fornecendo seus dados, abrir parte da sua privacidade ou ela toda, para que haja correspondência entre o que ele quer e o que a empresa oferece.

A visão atual do Marketing fala em Customer Centricity e a tecnologia permite subir muito o nível de satisfação porque ela consegue medir a experiência. Obviamente que não se mede experiência como se mede um experimento físico. Há dificuldades intransponíveis quando falamos de medir sentimentos, emoções, prazer e todos os intangíveis. No entanto, pela quantidade de repetições alguns padrões são gerados construindo personas que se aproximam cada vez mais da realidade.

A expectativa é que novas tecnologias de Inteligência artificial, agentes inteligentes e realidade aumentada introduzirão ainda mais complexidade nesse cenário.

Um trabalho interessante está fazendo a PwC na criação de uma metodologia que estabelece um índice de Retorno sobre a Experiência do usuário (ROX) que complementa o ROI (Retorno sobre o Investimento). O trabalho é consistente porque não insiste apenas em índices numéricos e frios, mas na conexão do cliente com quem gera a experiência. Além disto, tem claro que a tecnologia não é tudo, mas é uma facilitadora dos processos que permitem abordar o cliente de forma mais eficiente e assertiva porque revela o que os clientes valorizam. Veja a figura abaixo

Fonte: PwC Future of Customer Experience Survey 2017/18

 

O gap entre a experiência real e a satisfação está cada vez mais sensível entre os consumidores e não são poucos que apenas com uma experiência ruim deixam de interagir com a sua marca preferida.

Fonte: PwC Future of Customer Experience Survey 2017/18

 

A velocidade com que as coisas mudam parece só aumentar. Existem mais celulares que pessoas segundo Bank My Cell (um site de comparação de preços de troca e venda de celulares). E neste contexto podemos perguntar: Como decidir pela compra de um dos 18.000 modelos de celular Android que existem no mercado?

Fonte: BankMyCell

 

Outro dado interessante que traz o relatório da PWC é que “mesmo com o aperfeiçoamento da tecnologia e o aumento da automação, a maioria dos consumidores ainda prefere a interação humana”. O que me preocupa é o “ainda”, porque ele sugere que será uma fase transitória.

Eu aposto – sem ainda – na conexão humana como a força que realmente pode fazer a diferença no mercado onde a experiência é a bola da vez. A Starbucks revolucionou o mercado de café, a Netflix engoliu seu principal concorrente, a Beleza Natural criou um novo mercado e todas elas apostaram no ser humano para criar os diferenciais que geraram a conexão com os clientes. O modo descontraído e relacional de servir café na Starbucks, a reinvenção do RH na Netflix – com uma forma supreendente de entregar ao cliente mais do eles esperavam – e a percepção que a Beleza Natural teve ao se referir a temas como auto-estima e empoderamento da mulher para apresentar produtos de beleza.

Sim, a tecnologia é importante. Sim, os dados são fundamentais. Sim, a experiência é o coração do negócio. Mas são pessoas que estão no centro dessas transformações e elas são a chave da conexão que o Marketing terá que construir.

About
Rubens Migliaccio
Diretor e Professor do Departamento de Direção Comercial, Diretor Acadêmico dos Programas de Educação Executiva e Professor de Negociação Lecturer | IESE Business School AMP – Advanced Management Program IESE Business School Mestre em Administração | EBAPE/FGV/RJ Administrador de Empresas | EAESP/FGV Atuou no Departamento de Organizações Públicas: DOP-SP e FUNDAP (Fundação para o Desenvolvimento da Administração Pública) Também atuou em organizações privadas, como: Zogbi, Esportista, Rhodia, entre outras. rubens.migliaccio@ise.org.br
Showing 4 comments
  • Marcello Beltrand
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    Estimado professor Rubens, excelente artigo e conexões muito interessantes sobre novos desafios da excelência em serviços. abraço,

  • renata verissimo
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    Visão clara. Análise eloquente do que vi é-nos hoje. Sim, estamos em momentos de transição para um mundo híbrido entre humanos e algoritmos!

  • Paulo S. Biscardi
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    Excelente artigo, Prof. Rubens, reavivou a saudade das tuas aulas.

    Permita-me expor minha opinião.

    A experiência dos clientes ou usuários é e continuará sendo ponto crucial nas relações comerciais, mas a forma de comunicação ainda deve sofrer muitas alterações com a chegada de novas tecnologias. Não se trata de uma escolha binária: com conexão humana ou sem conexão humana. O sucesso está em uma comunicação multidimensional, onde o atendimento humano é uma delas.

    Alguns serviços são extremamente mais práticos no autoatendimento eletrônico ou na interação com um robô. Talvez poucos se lembrem de como era um banco sem os caixas eletrônicos ou quão movimentada era uma agência bancária. Em contrapartida, os próprios bancos ainda não estão confiantes em utilizar robôs e inteligência artificial para a execução de atividades operacionais. Ainda a responsabilidade é ancorada no cliente que faz uso de um sistema eletrônico e autoatendimento. Mas inegavelmente, estamos em transição.
    Serviço bancário é apenas um exemplo abrangente, mas podemos citar a facilidade de se obter quase imediatamente uma 2ª via de fatura através do whatsapp com um chatbot, versus o tempo de espera para ser atendido em um SAC.

    Talvez o segredo do sucesso seja a sabedoria de usar a tecnologia para aquilo onde todos são iguais e a conexão humana onde há realmente o diferencial, a peculiaridade que torna a marca/empresa diferente.

    Algumas empresas apostaram no diferencial através da tecnologia e temporariamente colocam o negócio à frente dos concorrentes, mas logo os concorrentes alcançam as mesmas facilidades. A conexão humana é um diferencial que a cópia ou imitação é muito evidente. É muito comum, por exemplo, ver comediantes imitando famosos com seus trejeitos peculiares. PERSONALIDADE, esta é a palavra-chave.

  • Monica Allende Risi
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    Sensacional. Sim, todos queremos experiências mas As pessoas não temos substituto.

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