O que faz de um empreendedor um empreendedor? Um segredo ainda desconhecido

Depois de uma longa jornada de conhecimento no primeiro ano do doutorado, pesquisando sobre ecossistemas empreendedores, startups, scale-ups, resiliência, taxa de mortalidade das empresas e vendas empreendedoras, me deparei com uma teoria do fim da década de 90 que eu ainda desconhecia completamente. Neste momento “eureka” de epifania criativa, relembrei do trecho da música de um querido amigo: “Tristeza é o conhecimento, se eu não soubesse ai ai ai, desta vida eu não sofria”.

A Professora da Universidade de Virginia, Darden School of Business, Saras Sarasvathy, vencedora do Prêmio Global de 2022 para Pesquisa em Empreendedorismo, sintetiza o que intuí durante toda a minha vida.

A “lógica empreendedora” é realmente diferente das outras. Sarasvathy percorreu 17 estados dos EUA para encontrar-se com 30 fundadores de empresas com dimensões entre 200 milhões e 6.5 bilhões de dólares de faturamento. A análise rigorosa das entrevistas feitas nestes encontros conduziu a um conjunto de princípios que, conjugados entre si, revelou uma forma de racionalidade singular dos empreendedores experts: o raciocínio efetual[i].

A palavra effectuation vem de ef.fec.tu.ate e significa efeito, realização ou fazer com que as coisas aconteçam. Esta lógica representa o inverso de causation; o raciocínio preditivo que é o “beabá” da cartilha estratégica que ensinamos nas escolas de negócio. Dizemos aos alunos: “Defina a estratégia, transforme-a em metas, determine os meios e busque alternativas para alcançar os seus objetivos da forma mais barata e eficiente possível.”

No entanto, quando consideramos experts como estes – fundadores que lançaram pelo menos uma empresa de capital aberto, pessoas com dedicação integral ao seu negócio há pelo menos dez anos, e que somam várias experiências de sucesso e fracasso – verificamos que a sua lógica não começa com um objetivo específico. Em vez disso, inicia com os meios, fazendo com que os objetivos surjam depois, em função da imaginação, das suas diferentes aspirações e das pessoas com quem eles interagem. Ao contrário do raciocínio causal que não cansa de exigir um planejamento cuidadoso, e prévio à execução, o raciocínio “efetual” vive da execução! Os planos são formulados e reformulados por meio da ação e da interação com outros.

A professora Sarasvathy teve oportunidade de realizar uma série de simulações com este grupo de experts para aprender não só quais as suas escolhas, mas como a sua tomada de decisão acontece.

Ao entrar em cena, eles começam com os meios disponíveis. Assim como ouvimos no ditado popular: “mais vale um pássaro na mão que dois voando”, estes empreendedores começaram por (1) quem são – as suas características, gostos e habilidades, (2) o que sabem – a sua educação, formação, competências e experiência prévia, (3) quem eles conhecem – as suas redes de relações pessoais e profissionais.

É com estes meios, apenas, que eles imaginam e testam as possibilidades criadas por eles. Este tipo de raciocínio é intrinsicamente criativo, exigindo competências como imaginação, espontaneidade, assunção de riscos e habilidade de vendedor. Ele é complementar à lógica causal que é mais adequada ao contexto em que empresa, mercado, concorrências e portfólio já estão estabelecidos. A lógica “efetual” aplica-se muito bem ao que a academia chama de early stage entrepreneurship: ao contexto de novos empreendimentos, em novos mercados com soluções ainda inexistentes.

Já assisti a aulas de empreendedorismo para fundadores de novos mercados e novos produtos que apenas utilizam da lógica causal: parta da ideia para os estudos de mercado, faça projeções financeiras e um plano de negócios, desenvolva protótipos para testar o fit com o mercado etc. Mas quando observamos os experts de Sarasvathy, verificamos que eles não agiram assim. Quando fundaram seus negócios, eles não realizaram qualquer estudo de mercado convencional. Eles começaram com “o pássaro na mão” e foram levar as suas ideais ao potencial cliente mais próximo, antes mesmo de terem produzido qualquer coisa.

Para os empreendedores o “futuro não está lá fora para ser descoberto”. O futuro pode ser criado pelas escolhas que fazemos. Enquanto a lógica causal concentra-se  na rentabilidade esperada, o raciocínio “efetual” enfatiza a perda aceitável. Enquanto o raciocínio causal depende da análise mercado e concorrência, o raciocínio “efetual” desenvolve-se em torno de parcerias. Enquanto o raciocínio causal insiste na exploração do conhecimento existente e na previsão, o raciocínio “efetual” salienta o aproveitamento de contingências.

Saras apresenta também um dado impressionante sobre a forma como estes experts operam: tendo começado exatamente com o mesmo produto, os empreendedores que participaram do estudo acabaram por criar negócios em dezoito indústrias completamente diferentes!

Isso acontece porque estes empreendedores não ficam limitados a nenhum mercado teórico ou pré-concebido. Pelo contrário, eles ficam abertos a qualquer mercado, enquanto se lançam na tentativa de vender suas ideias e conectar as pessoas.

Um dos empreendedores do estudo de Sarasvathy afirmou: “Eu começaria por apenas ir…em vez de colocar todas as perguntas, eu diria…vá e tente realizar alguma venda. Eu simplesmente começaria a vender. Eu aprenderia muito com as pessoas sobre quais seriam os obstáculos, quais seriam as dúvidas, que preços funcionariam melhor…Simplesmente PASSARIA À AÇÃO. Eu tentaria vender a máquina, mesmo antes de ter uma disponível. Meu estudo de mercado seria pôr as mãos na massa, procurando vender o produto”.

Como estes empreendedores começam sem assumir que existe um mercado predeterminado para a sua ideia, qualquer análise de concorrência faria pouco sentido nesta fase inicial. O foco é converter potenciais clientes em parceiros estratégicos. Com baixíssimo investimento, os empreendedores vendem suas ideias e buscam pré compromissos para viabilizar um negócio: “Eu vivo de acordo com o lema – preparar – disparar – apontar. Na minha opinião, quando se trabalha desta forma – preparar, apontar, apontar, apontar, perde-se muito tempo e nunca se chega a ver todas as coisas boas que poderiam acontecer se, simplesmente, executássemos as coisas, deixando o “poderia” para depois. Descobrindo então onde está o alvo”.

Mas e se der tudo errado?

O raciocínio causal é baseado na lógica do controle: na medida em que podemos prever o futuro, podemos controlá-lo. O raciocínio “efetual” é baseado em outra lógica: na medida em que podemos controlar o futuro, não precisamos de o prever.

O imprevisível é parte constante da jornada dos empreendedores. As surpresas que a realidade impõe e nossos erros servem como inputs do que deve ser feito diferente ou melhor. A professora Saras termina seu estudo afirmando que a lógica “efetual” não é o segredo do sucesso. O raciocínio “efetual” não aumenta necessariamente a probabilidade do sucesso de um novo negócio e um novo produto, mas reduz os custos do fracasso por permitir que ele ocorra mais cedo e com níveis menores de investimento.

Se você, assim como eu, acredita que podemos fazer muito mais do que estamos fazendo atualmente; atue com a lógica empreendedora. O que faz com que um empreendedor seja empreendedor é esta lógica peculiar: acreditar em um futuro que ainda está para ser criado, apesar de todas as restrições atuais. Precisamos de menos previsões e mais ações.

Se o futuro pode ser moldado pela ação humana, não basta planejar (ou desejar) alguma coisa importante. Será muito mais útil compreender quais são as pessoas que devem ser envolvidas e agir para fazer com que este futuro aconteça.

Aceita o desafio?


[i] Sigo a tradução feita de Diogo Carmo, Professor Adjunto da Escola Superior de Desporto de Rio Maior, Instituto Politécnico de Santarém, Portugal.

About
Renato Fernandes
Professor de Marketing com ênfase em Vendas e Membro do Núcleo de Estudos em Negociação, Conflito e Comunicação Mestre em Marketing | PUC-SP Programa de Desarollo de Directivos | IAE Business School Sales Performance: Helping Client to Succeed Facet5: The Power of Personality Graduado em Comunicação Social | PUC-MG Como executivo liderou todo o ciclo comercial de empresas de educação executiva em Minas Gerais e São Paulo. Como Professor, desenvolveu milhares de pessoas em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Brasília. Como Consultor desenvolveu projetos para empresas dos segmentos de mineração, varejo, tecnologia, frotas, hospitalidade, saúde e gestão pública.

Leave a Comment