Governança Familiar: Uma necessidade e não uma opção

No Brasil, as empresas de controle familiar representam a principal força motriz da economia, atuam como forte fonte de renda e emprego e participam de mais de 65% no Produto Interno Bruto (PIB) do país.

Apesar do gigantismo e do relevante potencial desse segmento, alguns temas delicados impõem-se de forma marcante. Estudos mostram que apenas 3% das empresas familiares chegam à 4ª geração. Este alto índice de extinção revela a necessidade de profissionalização da empresa e estruturação da família. E um interessante mecanismo de apoio às empresas familiares tem sido a governança familiar.

Evoluir já não é uma opção e sim uma necessidade, pois a estagnação provocada pelo círculo vicioso compromete o crescimento e a sustentabilidade da família e da empresa. A evolução se faz necessária e para atender a complexidade da empresa familiar é evidente a necessidade da profissionalização e estruturação dos sistemas, da familia, da empresa e da propriedade, assim como a implementação de um sólido sistema de governança familiar.

Esta complexidade demanda o desenvolvimento de pilares estruturantes que preservem a união familiar e contribuam para a gestão de 4 pilares: do legado, da governança, do portifólio e da complexidade humana.

Segundo Freud, a felicidade passa por Amor e Trabalho. Neste sentido, o encontro da Empresa com a Família deveria ser uma fórmula saudável de felicidade, mas na prática não funciona bem assim.

Para a construção destes pilares se faz necessária uma forte disposição para lidar com a dualidade, assim como com questões paradoxais e subjetivas.

A empresa familiar caracteriza-se por ser uma organização com vínculos que vão além do interesse societário e econômico. Uma vez superados os problemas familiares e colocada sobre uma sólida base profissional, a empresa familiar é mais eficaz que a empresa não familiar.

Os desafios das empresas familiares são conhecidos: conflitos geracionais, falta de coesão, falta de um propósito comum, falta de meritocracia e falta de um plano estratégico de governança e de sucessão. Porém são poucas as empresas de controle familiar que investem em mapear e superar seus desafios. Quando isto ocorre de forma cuidadosa, sua energia e foco voltam-se para gestão da riqueza e não para gestão da “escassez”, onde falta habilidade humana e comportamental para lidar com questões emocionais e racionais. Neste cenário, a probabilidade do não atingimento de resultados positivos nos negócios aumenta e o patrimônio da família passa a estar em risco.

A Governança Familiar não é um evento isolado e sim um trabalho de longo prazo. A eficaz continuidade da empresa familiar e a gestão das suas riquezas são uma das principais preocupações dos proprietários.

 

Afinal, o que é Governança Familiar e como ela contribui para continuidade da empresa?

Governança Familiar é um importante processo que estrutura e organiza as famílias no complexo desafio da busca da sustentabilidade de longo prazo para os seus negócios e suas famílias. A família como fonte de amor e o trabalho, enquanto realização de uma obra, é estruturante para formação do indivíduo. Porém, quando envolvemos as relações familiares, parentais, entre irmãos, primos, tios, avós e seus cônjuges e todos os papéis exercidos no contexto das empresas familiares, nos deparamos com uma complexidade exponencial.

Quais são os desafios que uma empresa familiar se depara ao longo do seu crescimento, considerando as transformações vividas nos diferentes estágios de desenvolvimento da família, da empresa e da propriedade?

 

Os desafios são diversos e conhecidos e variam de acordo com o estágio em que a empresa e família se encontram.

Fonte: adaptado do livro Famílias Investidoras e Family Office

 

Embora as empresas sejam únicas do ponto de vista cultural, da marca produzida por seu legado, produtos, serviços e tecnologias, existem temas comuns nas organizações familiares e no processo de evolução. Quando atingem determinado porte, são obrigadas a enfrentar uma transição crítica. Muito do que deu certo no passado, como estrutura de poder e geração de resultados, por meio de controles e estratégias, passa a não corresponder com as novas necessidades.

Cada família empresária tem sua história, com suas características e peculiaridades normalmente vinculadas à figura de um imigrante que chegou ao Brasil fugindo de uma realidade adversa e sem grandes recursos.

Por essa razão existe um registro de escassez que marca de forma profunda o início da história do fundador, pois contribuiu para geração de receitas que são reinvestidas na empresa e trouxeram resultados financeiros significativos.

Neste estágio inicial tudo gira em torno de um empreendedor polivalente. Normalmente, o criador do negócio dá um salto no escuro ao tentar estabelecer o seu novo projeto, perseguindo um sonho ou uma mudança radical de vida. Estruturas organizacionais são mínimas e informais. O modelo de administração adotado é intuitivo, focado na continuação de práticas que respeitam uma determinada tradição. Durante uma primeira fase do negócio administrado por um único proprietário que concentra as decisões, os investimentos e a família, não existe espaço para estruturas robustas de governança. Fazendo uma analogia ao esporte este é um jogo de tênis com um jogador de um lado e seus adversários do outro. O “jogador fundador” escolhe a jogada e alcança todo o espaço, administrando todo o seu campo com autonomia e protagonismo.

A partir do momento em que a 2ª geração começa a participar dos negócios, a família inclui os filhos uma nova dinâmica se instala, conhecida como sociedade de irmãos. Seguindo a analogia com o esporte, temos aqui um novo jogo, o vôlei, 5 “jogadores irmãos” com novas regras, novo campo e a necessidade de jogar junto, competindo com o time adversário e não entre si. Entretanto a rivalidade entre irmãos é algo bíblico, natural e inerente aos seres humanos. Quem tem irmão conhece o sentimento de amor e ódio, inveja e ressentimento.

Aqui normalmente começa a nascer a Governança Familiar responsável por cuidar do desenvolvimento dos familiares e, principalmente, das novas gerações, e fazer a intermediação com os negócios e com a propriedade, assim como da gestão do legado e da riqueza, do processo de sucessão, da integração da família e da proteção do patrimônio.

Os desafios não param aqui, pois a família continua crescendo: logo a 3ª geração, a dos netos, chegará para compor um consórcio de primos. Serão novos desafios, alguns similares aos desafios entre irmãos e outros específicos a esta nova dinâmica. Nesta fase do esporte a analogia é com o futebol, 11 “jogadores primos”, um novo jogo com novas regras, outro campo, outra forma de se preparar para enfrentar os adversários, entendendo o adversário como competidor fora da estrutura familiar e não dentro do seu núcleo e sua família.

Considerando a existência de uma 3ª geração, mais de 40 anos se passaram, os negócios e o patrimônio da família cresceram e provavelmente se diversificaram. Neste estágio de diversificação de negócios a empresa familiar passa a administrar um portfolio e é chamada de Família Empresária.

A presença da 4ª geração normalmente estimula a configuração da Família Investidora, onde os negócios da família fazem parte de um portfólio de investimentos. O Family Office, ou, escritório da família, irá administrar os ativos humanos, intelectuais, sociais e financeiros, além de potencializar a gestão da riqueza de forma a garantir a sustentabilidade e longevidade da Família Investidora.

Considerando o ciclo de vida das empresas familiares, as grandes companhias brasileiras do futuro são as pequenas e médias empresas de hoje. Tal lógica só será confirmada se essas empresas organizarem-se, desde o início, de forma saudável.

Portanto, para assegurar o início ou continuidade das operações, e promover a expansão sustentável, se faz necessário observar as fases de crescimento e transformação na estrutura para adequar a velocidade de crescimento da família e dos negócios à capacidade de produzir, gerir e cuidar de suas riquezas. Dar especial atenção ao caminho e direção a ser seguido na Gestão da Riqueza (estruturas adequadas de governança que garantam maior estabilidade emocional, legal e corporativa) x Gestão da Escassez (estruturas ultrapassadas, processos onerosos, hierarquias desnecessárias, relações frágeis, falta de comunicação e transparência) de forma a administrar o paradoxo Tradição x Inovação. Onde a busca está na habilidade de construir a Tradição de Inovar vivendo o legado a cada novo ciclo.

Se queremos continuar juntos precisamos trabalhar juntos na busca das melhores soluções, honrando tudo o que os nossos pais construíram. Com um propósito comum, olhando para o futuro, para as próximas gerações, para o que é sustentável, o melhor para a empresa, a família e a sociedade e não com interesses individuais.”

Depoimento membro 2ª geração

About
Mary Nicoliello
Professora membro do Centro de Estudos de Empresas Familiares Mestrado em Direção Estratégica de Empresas Familiares | Universidad Europea Miguel de Cervantes MBA Executivo | Coppead UFRJ Bachelor’s degree | Universidade FUMEC Biografia 18 anos de experiência profissional com estratégia e desenvolvimento de pessoas: formação de sucessores, desenvolvimento de acionistas, gerenciamento de projetos estratégicos de governança e inovação. Estruturação de governança para empresas de controle familiar, intervenções estratégicas em estruturas de empresas familiares, aplicação de jogos cooperativos e coaching.

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