Vida longa ao Comércio de Rua

Há 10 anos, em abril de 2013, José Luis Nueno, Professor de Direção Comercial do IESE Business School, publicou o estudo “El declive de las calles comerciales” (O declínio das ruas comerciais) em parceria com a AECOC (Asociación de Fabricantes y Distribuidores) que se define como uma das maiores associações empresariais da Espanha e a única em que a indústria e a distribuição operam em estreita colaboração para gerar maior valor ao consumidor.

O estudo aponta claramente que as novas tecnologias mudaram o comportamento do consumidor, especialmente, a sua jornada de consumo. Lojas físicas estão sendo reinventadas e o crescimento das compras online criou modelos híbridos de multicanalidade onde o consumidor espera ser atendido da melhor forma o mais rápido possível.

Passada uma década, muitas perguntas permanecem sem resposta: O que fazem as lojas físicas de sucesso? Qual é a contribuição essencial que elas aportam à jornada do consumidor? As grandes lojas têm uma lógica de negócio diferenciada das pequenas? O tipo de rua e sua localização é mais importante que a natureza dos negócios? A escalada tecnológica permite inferir a morte das lojas físicas e do comércio de rua para um futuro próximo?

Foi diante dessas questões que me ocorreu uma ideia: selecionar uma única rua da capital paulista e conhecer de perto as dificuldades do comércio de rua, não por meio de uma pesquisa fria e distante, mas pelo contato pessoal com quem está à frente dessas lojas.

Selecionei 240 estabelecimentos da Rua João Cachoeira no bairro do Itaim Bibi, em São Paulo.. Tive a possibilidade de visitar pessoalmente 165 estabelecimentos e entregar uma carta convite para uma discussão mais ampla na sede do ISE Business School. No mês de janeiro fiz as visitas de porta em porta sendo recebido de várias formas distintas. Em algumas, o medo e a desconfiança predominaram, outras um acolhimento amigável prorrogou nossa conversa por mais de trinta minutos. Em geral, as pessoas ficavam perplexas, com uma ponta de dúvida: será mesmo um professor? O que ele quer com isso? Por que escolheu essa rua se existem outras mais glamorosas em São Paulo?

Enfim, vencida essa etapa das 165 visitas aguardava a adesão ao projeto que batizei de “Projeto Comércio de Rua”. Não foi simples conseguir as respostas, mesmo com registro de todos os dados, formulário na nuvem, código Q-R. Tudo muito, muito lento, mas finalmente obtive 25 adesões para a segunda etapa.

Com essas 25 lojas marcamos uma data para nosso encontro e aqui infelizmente nem todos podiam estar disponíveis. Recebemos apenas 12 confirmações, que redundaram em apenas 4 presenças físicas no dia marcado.

Estavam presentes Gabriela Bacchi, dentista e influencer do bairro, no Facebook e Instagram (mais de 21.000 inscritos) Renato Muszkat, do Armazém Muszkat, Patrícia Palazzini, da Maria Bikineira e Verônica Bilyk, da Frescalis. O encontro foi bem avaliado pelos participantes. Renato entende que mais reuniões serão necessárias, pois todos saíram ganhando. Já Gabriela Bacchi, dentista, avalia que este encontro pode ser o começo de um grande projeto, pois as discussões resultaram em ideias muito interessantes.Fiz uma breve abertura focando três pontos:

  • Job to be done: O que a sua loja faz para os seus clientes? Se ela não existisse esse cliente sentiria sua falta?
  • Proposta de Valor: Como você oferece seus produtos e serviços a ponto dos seus clientes estarem dispostos a pagar por eles?
  • Modelo de Negócio: A sua proposta de valor é sustentável? Você tem parceiros, atividades e recursos compatíveis com o que se propõe entregar? Sofre ameaças próximas ou remotas da concorrência?

Isolei o grupo dos 4 participantes em uma outra sala de equipe e deixei-os discutindo essas questões por 45 minutos. O mais interessante foi ver como a própria discussão jogava novas luzes nas perguntas ampliando o campo de visão e a capacidade de perceber soluções simples, fáceis de serem implementadas e nunca pensadas. Para Patrícia Palazzini, da Maria Bikineira, foi uma inciativa que surpreendeu positivamente: “Falamos de nossas experiências e discustimos soluções possíveis para melhorias do comércio na Rua João Cachoeira”, declarou a empresária.

Terminamos com uma conversa em que recolhemos as principais conclusões do exercício, durante o qual cada participante foi discorrendo sobre o impacto que essas ideias poderiam ter na sua atividade e o que poderia ser implementado a curto, médio e longo prazo. Construímos uma curva de valor ressaltando os atributos que eles consideravam mais relevantes para o comércio de rua e comparamos com outras ruas e com o Shopping Center mais próximo. Simplificamos para fins didáticos e surgiu o gráfico abaixo:

 

Para Verônica Bilyk, da Frescalis, “foi uma oportunidade importante e salutar. É a única forma de implementar mudanças legítimas”. E acrescentou: ”Foi um encontro onde tivemos exercícios práticos, troca de experiências e o semear de parcerias”.

Depois desse exercício, gostaria de deixar alguns pontos para relexão para os participantes e para todos aqueles que percebem valor no comércio de rua:

  1. O que entendemos por varejo no mundo da Educação Executiva está restrito a grandes empresas. As pequenas e médias não têm acesso fácil às oportunidades de desenvolvimento e aprendizado oferecidas em escolas de negócios. Instituições como Fecomércio, Associação Comercial, IBV e Sebrae não são relevantes a esses varejistas?
  2. As pequenas empresas carecem de profissionalização e não conseguem reter os talentos que em sua maioria aprendem a trabalhar nestes estabelecimentos e migram para melhores oportunidades. Esse fato é da natureza da operação? Não seria necessário ajustar a estratégia tendo em conta esta realidade?
  3. Mesmo sendo uma das ruas comerciais mais destacadas da cidade é rara a troca de experiências e quase nenhuma ação conjunta é realizada. Por que é tão escasso o compartilhar de impressões e diretrizes comuns?
  4. Problemas comuns como segurança, limpeza, iluminação, estacionamento e vários outros não encontram soluções adequadas tornando a experiência de compra inferior quando comparada a um centro comercial ou shopping center. Trabalham o preço como a variável mais importante para atrair o cliente. “Somos mais baratos que o shopping center”. O preço não os torna reféns dos clientes?
  5. O dia a dia dos proprietários e gerentes é praticamente tomado com a operação da loja. Muitas negativas à participação no Projeto se deram por falta de pessoas que pudessem manter a loja aberta. A visão de curto prazo impera e o planejamento se reduz a sobreviver no dia a dia. Será possível trabalhar de outra forma?

Concluo que, apesar de numericamente inexpressivo, o “Projeto Comércio de Rua” foi importante para abrir novos horizontes para pensar o varejo. Somado a minha paixão por essa atividade me sinto estimulado a aprofundar o tema com novas abordagens e conhecer novas pessoas tão interessantes como a Gabriela, Patrícia, Roberto e Verônica.

About
Rubens Migliaccio
Diretor e Professor do Departamento de Direção Comercial, Diretor Acadêmico dos Programas de Educação Executiva e Professor de Negociação Lecturer | IESE Business School AMP – Advanced Management Program IESE Business School Mestre em Administração | EBAPE/FGV/RJ Administrador de Empresas | EAESP/FGV Atuou no Departamento de Organizações Públicas: DOP-SP e FUNDAP (Fundação para o Desenvolvimento da Administração Pública) Também atuou em organizações privadas, como: Zogbi, Esportista, Rhodia, entre outras. rubens.migliaccio@ise.org.br
Showing 2 comments
  • Paulo Sérgio Biscardi
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    Prof. Migliaccio,
    Parabéns pelo trabalho e eu o incentivo a dar continuidade, sim. Certamente, todos com comércio de rua serão beneficiados, mas também todo um ecossistema que pode aproveitar oportunidades dormentes.
    Puxando a brasa para a minha sardinha (tecnologia), penso que ofertas através de e-commerce integrado ajudam a puxar clientes indiretos. O consumidor entra no website para procurar uma camiseta e acaba encontrando uma bermuda com preço muito atrativo, apenas como exemplo.
    Outro ponto interessante que já é muito usado no Japão e EUA é relacionado à logística de entrega. O consumidor gosta de ir à loja física para ter a experiência visual e tátil com o produto, porém se faz uma compra um pouco maior, tem que ficar carregando um monte de sacolas. Parece certo que este pagaria um pouquinho a mais para ter a sua compra entregue em sua casa no mesmo dia.
    Para uma loja pequena, a operação é praticamente inviável, mas quando Unidas várias lojas, a logística parece fazer sentido.

    • Rubens Migliaccio
      Responder

      Olá Paulo, obrigado pelo seu comentário. Concordo com o que diz, cada vez mais a personalização será a solução e dentro dessa personalização multiplas soluções são viáveis. Tecnologia, humanismo a medidade de cada prospect

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