O que fazemos, nos faz

Nesta pandemia, conhecemos formas de ansiedade, medos e aflições que talvez antes não tivéssemos conhecido. É que, assim como este artigo não existirá se eu não o escrever, também o medo, a dor, a alegria e a esperança não existem até que alguém os viva.

O mesmo ocorre no âmbito da empresa e da tomada de decisão. O entendimento com os demais, a criatividade, a justiça e a ética só podem existir se há alguém que os exerça, se há uma ação pessoal sendo realizada.

Fora da decisão, a ética e a justiça são simplesmente conceitos, difíceis de sopesar. Os valores – ainda que nobres – têm pouca contribuição para nós se não estão presentes no que fazemos. Se não estiverem incarnados na própria vida.

Gostamos de falar e ouvir sobre as façanhas, sobre histórias, sobre decisões difíceis tomadas, sobre os empreendimentos audaciosos. Mas não tanto sobre conceitos abstratos como a ética, a justiça ou a coragem. Por quê? Porque os ideais e os valores são apenas puras abstrações se não existirem homens e mulheres que os realizem, que os façam acontecer na vida.

É correto dizer – ainda que de forma imprecisa – que uma pessoa que costuma tomar decisões justas, é uma pessoa justa. Ou ainda, dizer que uma empresa em que os executivos costumam tomar decisões éticas é uma empresa ética. Mas o que nos faz é o que fazemos, não simplesmente o que pensamos. Como bem nos lembrou nosso aluno do AMP, Cesar Cini, “tra il dire e il fare c’è il mare” (“entre dizer e fazer está o mar”).

Também é certo que os conceitos e valores nos trazem algumas vantagens. Eles podem ser publicados, facilmente comunicados e até mesmo mensurados. Mas como estabelecer, por decreto, uma cultura em que predominem ações éticas? Como comunicar as infinitas possibilidades de interação entre as pessoas, para que sejam quase sempre respeitosas e empáticas? Como propor indicadores de responsabilidade social ou ambiental a empresas de diferentes tamanhos, lugares ou setores?

O nosso dia a dia tem uma riqueza infinitamente maior do que aquilo que está compreendido numa política corporativa ou num acordo global. Ainda bem! E todos nós, individual ou coletivamente, devemos tentar adquirir os recursos necessários para viver e enfrentar cada um desses momentos ou situações, da melhor maneira possível.

A conceitualização da cultura empresarial e do papel do diretor acaba nos confrontando com algumas dificuldades: não podemos garantir um management ético só com códigos de ética ou sistemas de compliance; não desenvolvemos a criatividade apenas com livros inspiradores; não seremos socialmente ou ambientalmente responsáveis apenas com políticas ou diretrizes coletivas.

A beleza está no fato de que cada empresa é diferente. E principalmente, de que cada empresário e cada pessoa tem suas próprias características e circunstâncias. O que é bom para mim nem sempre será bom para a pessoa que está ao meu lado. Os valores podem ser determinados, mas não podem ser impostos. Não mudamos as empresas e seus valores se não mudamos as pessoas e seus hábitos.

O ideal não existe até que ele seja incarnado. A boa decisão só existe quando a tomamos. As decisões dos diretores fazem a cultura e não ao contrário.

E se a decisão não for boa? Aprendemos. Nos conhecemos, nos corrigimos e melhoramos. E voltamos a decidir. É o que propõe o modelo de formação que desenvolvemos e aplicamos no ISE Business School.

Além da empresa, devemos formar bons empresários. Além da Governança, devemos ter melhores governantes. Mais do que políticas de Responsabilidade Social ou Ambiental, devemos ajudar para que cada pessoa atue conscientemente e com responsabilidade. Afinal, o que fazemos é o que nos faz.

About
José Paulo Carelli
Diretor Geral do ISE Business School e Professor de Direção Geral, Direção Financeira, Ética nos Negócios e do Núcleo de Humanismo e Empresa Lecturer | IESE Business School Doutorando em Economia | Universidade de Navarra MBA | IESE Business School Mestre em Economia | EPGE/FGV-RJ Graduação em Engenharia | PUC-RJ Foi diretor geral da Ficosa do Brasil

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