O Marketing e o Coronavírus Experience

Falar de experiência em Marketing virou lugar comum. Ninguém mais vende produto, nem serviço. Todos vendem uma experiência, que inclui produtos e serviços.

A sensação que se tem é que o Marketing virou uma batalha de narrativas e me parece uma evolução natural do conceito de posicionamento de Ries & Trout, dos anos 80, em que eles definiram Marketing como uma batalha de percepções. Isso nos leva a pensar que não interessa se um produto é bom ou não, mas sim qual a percepção que o cliente tem dele. Se ele achar que é bom, então é bom!

Obviamente, não estamos falando de lâmpadas que iluminam, geladeiras que gelam e aquecedores que esquentam. Qualquer produto ou serviço que pretenda sobreviver no mercado deve apresentar uma base mínima de qualidade.

O problema é instalado quando a marca se agiganta no emocional do cliente de tal maneira que o simples fato de a possuir faz com que ele se sinta diferente.

Veja por exemplo o que aconteceu com um executivo brasileiro que estava na Macy’s em Nova York escolhendo uma gravata dentre dezenas de opções em uma bancada. Seus olhos pulavam de uma gravata para outra até que uma delas lhe chamou a atenção por parecer estranha, esquisita. No entanto, ao revirar o monte, apareceu a marca: ARMANI. O executivo parou, olhou novamente e desta vez enxergava algo mágico, não era ainda a gravata de sua preferência, mas a dúvida apareceu: será que há algo de errado com o meu “gosto”? Será que uma marca tão prestigiosa no mundo da moda seria capaz de produzir algo feio? Será que não preciso rever meus conceitos? Conclusão, comprou a gravata.

Essa ideia de que o Marketing é apenas uma batalha de percepções nos leva a uma sociedade onde o consumo tem limites etéreos e está associado ao prazer e à felicidade. Os principais vínculos emocionais se dão através dos bens, na grande maioria supérfluos, ou seja, não realmente necessários, mas vinculantes a um estado emocional que ambiciona sempre mais: o último modelo – veja as filas de madrugadores atrás do último Iphone -, a proposta mais interessante – eu não precisava, mas estava em oferta e não resisti – e outras modalidades de comportamento compulsivo mais ou menos justificáveis.

E o que isso tudo tem a ver com o coronavírus? Qual experiência essa pandemia nos proporciona?

A COVID-19 nos deixou trancados em casa e fez com que nossas possibilidades de consumo se reduzissem bastante.

O universo emocional das marcas precisa de uma atmosfera para produzir significado, e isso, em grande parte, envolve outras pessoas. O consumo possui uma expressão social que em muitos casos o justifica. Um vestido exclusivo de alta costura não é vendido para uma mulher ficar em casa. Ela quer que “outros e outras” a vejam. Reparemos como a história das marcas registradas conduziu a um consumo de bens cada vez mais baseado em interações simbólicas entre os indivíduos. É isso que pode fazer uma pessoa consumir, não tanto a necessidade do bem ou do serviço, mas o fato de que esse bem ou serviço se “comunica” com a sua tribo, com seu grupo de referência. É o que Rene Girard chamava de desejo mimético. Ter para mostrar aos outros, para imitar os outros, para ser parecido com os outros.

Objetos como o Iphone são tipicamente classificados como de desejo mimético. É um excelente produto, mas inferior a outros similares em termos técnicos. No entanto, no plano emocional, nenhuma outra marca consegue atingir os clientes com tamanha eficácia.

Mas e o coronavírus? Ele nos impede de criar e transitar nessa atmosfera. Despersonifica os bens e os serviços que agora precisam ser consumidos na solidão do lar. Que chato isso! Não quero pensar em trocar de carro agora, ou comprar roupa, ou… Por um lado, não posso porque arrisco minha saúde, por outro, que graça tem? O clima de confinamento reduz drasticamente nossos devaneios consumistas e nos prende à realidade de um cotidiano que pode ser bem cinza se nossos valores estiverem descentrados.

O coronavírus nos põe literalmente com os pés no chão. Nos despimos das aparências e nos sentimos como na música antiga: palhaços das perdidas ilusões em um circo tristemente vazio.

O Coronavírus Experience tem um lado B que pode ser B de bom. Um lado que possibilita a descoberta do outro, o outro que você tem em casa e que talvez não conheça de verdade. A reinvenção das mesmas coisas agora utilizadas de forma diferente. A criatividade para sair da mesmice dos dias iguais e outras iniciativas que, com um pouco de boa vontade, aparecerão.

Certamente o coronavírus não é uma experiência de mercado. Falar de Coronavírus Experience é uma metáfora para nos lembrar que a vida é muito mais do que consumir. Let’s enjoy it!

About
Rubens Migliaccio
Diretor e Professor do Departamento de Direção Comercial, Diretor Acadêmico dos Programas de Educação Executiva e Professor de Negociação Lecturer | IESE Business School AMP – Advanced Management Program IESE Business School Mestre em Administração | EBAPE/FGV/RJ Administrador de Empresas | EAESP/FGV Atuou no Departamento de Organizações Públicas: DOP-SP e FUNDAP (Fundação para o Desenvolvimento da Administração Pública) Também atuou em organizações privadas, como: Zogbi, Esportista, Rhodia, entre outras. rubens.migliaccio@ise.org.br

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