Mais políticos e menos politicagem: a responsabilidade dos líderes de vértice

Para uma grande parcela da população brasileira o termo “político” refere-se àquele tipo específico de pessoa que, profissionalmente, utiliza-se de uma função pública para obter benefícios próprios. Sim, eu sei, esta é uma triste redução desta bela vocação patriótica, mas que tem seu fundo de verdade devido aos vários casos reais de má utilização do serviço público.

Pensando na complexidade de gerir nosso país e no gigantesco número de servidores públicos que temos atualmente, estou seguro e otimista de que temos mais casos de políticos que utilizam de seu mandato para fazer o bem do que o contrário, apesar dos exemplos ruins.

Aproveitando o fenômeno contemporâneo do great resignation[i], peço licença para, em nome da evolução das práticas de gestão de empresas, propor uma cisão semântica entre as palavras “politicagem” e “políticos”. A primeira deve incorporar este senso comum da má práxis à que me referi acima. A segunda, sairá da prisão dos gatilhos mentais para voar livre para o campo da política de empresa de Antonio Valero.

Antonio Valero (1925-2001), fundador do IESE Business School, foi um pioneiro da formação diretiva na Europa. Seu pensamento sobre direção de empresas sintetiza a sua experiência pessoal com “as pessoas de vértice” – homens e mulheres que lideravam instituições privadas e públicas desde o topo. Valero teve a sagacidade e a coragem dos gênios para discordar educadamente da visão de Business Policy difundida por Harvard na década de 60 e propor um modelo original baseado na visão clássica da pessoa: o entendimento de que a empresa é uma instituição essencialmente social e que a direção de empresas é um exercício de prudência política[ii].

Este exercício prudente de governo que busca o bem comum é a política na visão Aristotélica. Muitas teorias organizacionais que conhecemos hoje foram criadas a partir de perspectivas fundadas em conceitos da economia. A geração humanista iniciada por Valero partilha de mesma perspectiva fundada na filosofia clássica; em Aristóteles a ética é uma doutrina moral individual e a política uma doutrina moral social. O Professor Emérito de Ética do IESE Business School Domènec Melé, por exemplo, foi um autor prolífico que publicou dezenas de livros, capítulos e artigos de journals de referência, e que descrevia a empresa como uma “comunidade de pessoas que se unem para atingir um fim”.

Para Valero, o Político de Empresa era este líder de vértice (do topo) que deve promover  a iniciativa das pessoas desta comunidade com liberdade e responsabilidade. Seu trabalho inspirou milhares de líderes empresariais, catedráticos e profissionais ao redor do mundo gerando escolas de negócio, teorias e o aprimoramento das competências executivas. Graças a ele, encontramos, mais de sessenta anos depois, pessoas como o Professor Yago de la Cierva. Ele é Professor do IESE Business School e apresenta a empresa como[iii] um conjunto de relações humanas estruturadas em torno de uma finalidade, que entrelaçam conhecimento, experiência e emoções.

Compreender as ideias que mobilizam nossa ação é algo vital! Conforme indicou Sumantra Ghoshal em seu último, e, magnífico, trabalho[iv]: a perspectiva do teórico sobre a gestão molda a teoria que ele ensina aos alunos das escolas de educação executiva. Assim, as más teorias de gestão podem destruir as boas práticas de gestão por incentivarem uma prática de gestão enviesada e reduzida.

A política de empresa foi concebida por Valero como esta área integradora das várias disciplinas da gestão, centrada em como a pessoa de vértice deve praticar os propósitos estabelecidos pelo conjunto de pessoas e meios que formam a empresa. Para o autor, a estratégia é uma técnica de análise instrumental. A direção geral é uma posição na estrutura organizativa. A liderança é uma característica típica de quem ocupa esta posição e a política de empresa é o próprio conteúdo da desafiadora tarefa de governar uma empresa.

Poderíamos concluir, então, que para serem bem-sucedidas as companhias dependem menos dos modelos teóricos de gestão e mais da qualidade dos seus políticos de empresa. São pessoas melhores exercendo a liderança que contribuirão para uma empresa melhor, não apenas modelos melhores. Como um dos pioneiros da perspectiva humanista no campo da gestão, Valero combateu a visão estabelecida de que a pessoa era um ser egoísta focado exclusivamente em seus próprios interesses.

O líder é essencialmente um ser político: social e ético. Para gerir em um contexto complexo, interacional e dinâmico, a boa práxis exige competências morais e sociais capazes de conectar, engajar e mobilizar pessoas. Isto é o que chamo de um bom político de empresa! Quanto maior e mais complexa a instituição, menos o líder dependerá de suas competências técnicas pessoais. Quanto mais alto ele estiver na sua posição de vértice, mais dependerá da sua capacidade política de coordenar as pessoas em direção ao futuro desejado.

Realizar isso em um mundo conectado, com expectativas culturais de que a empresa e a sua alta liderança ocupem espaços que os governos e a sociedade civil não estão conseguindo suprir, exige também uma forte adequação entre o que se prega e o que se pratica. A ética é esta “marca moral” de que fala o Professor Jorge Mitsuru[v]: o conjunto de virtudes e hábitos morais que qualificam aquele indivíduo.

As modificações do contexto social, a educação, a evolução dos valores entre gerações apresentam um desafio cada vez mais urgente: clientes, colaboradores, fornecedores e acionistas não querem apenas “líderes empresariais”, eles esperam políticos empresariais capazes de lidar também com o ambiente “fora do mercado”: governos, grupos de interesse, a mídia e o público em geral.

O Trust Barometer de 2022 da empresa Edelman confirmou isso[vi]: os respondentes dos mais de vinte e oito países pesquisados afirmaram que: 1) a minha empresa é a instituição que mais confio e 2) esperamos que os CEOs influenciem políticas públicas sem entrar para a política.

O Instituto ERB, da Universidade de Michigan, publicou um artigo recentemente afirmando que a responsabilidade social corporativa precisa se tornar responsabilidade política corporativa[vii]. Na década de 90, a Business Policy da Harvard Business School foi substituída por uma disciplina muito conhecida por todos nós: Strategic Management. A evolução da temática originou um vácuo formativo e conceitual que prescindiu de uma disciplina sobre o governo e a direção geral[viii].

Acredito que a crescente discussão sobre o papel social, ambiental e inclusivo das empresas e seus líderes renova a oportunidade de aprofundarmos as tentativas de uma práxis de gestão mais integrada e humanista.

Para evoluir, devemos fugir da politicagem nociva e apostar nos políticos de empresa: líderes de vértice que são conscientes da natureza social de suas organizações e da sua responsabilidade de dirigir com prudência política e um conjunto de virtudes morais tais como: integridade, justiça, honestidade, resiliência e coragem.

Coragem!

 


Referências

[i] https://www.infomoney.com.br/carreira/great-resignation-fenomeno-da-grande-debandada-chega-ao-brasil/

[ii] https://www.ieseinsight.com/doc.aspx?id=1839&ar=15&idioma=1

[iii] https://www.eunsa.es/libro/navegar-en-aguas-turbulentas_136336/

[iv] https://journals.aom.org/doi/abs/10.5465/amle.2005.16132558

[v] https://ise.org.br/blog/raizes-do-comportamento-etico-nos-negocios-parte-i/

[vi] https://www.edelman.com/trust/2022-trust-barometer

[vii] https://www.hbs.edu/ris/Publication%20Files/Lyon_et_al_2018_CMR_f4406d48-0511-4f2a-a83f-7ee1e2952c8c.pdf

[viii] https://www.ieseinsight.com/doc.aspx?id=1839&ar=15&idioma=1

About
Renato Fernandes
Professor de Marketing com ênfase em Vendas e Membro do Núcleo de Estudos em Negociação, Conflito e Comunicação Mestre em Marketing | PUC-SP Programa de Desarollo de Directivos | IAE Business School Sales Performance: Helping Client to Succeed Facet5: The Power of Personality Graduado em Comunicação Social | PUC-MG Como executivo liderou todo o ciclo comercial de empresas de educação executiva em Minas Gerais e São Paulo. Como Professor, desenvolveu milhares de pessoas em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Pará, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Brasília. Como Consultor desenvolveu projetos para empresas dos segmentos de mineração, varejo, tecnologia, frotas, hospitalidade, saúde e gestão pública.

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