Câmbio acima de R$ 4,50 por dólar está caro? No nível mais caro da história?

Essa pergunta parece não fazer sentido, dado o tamanho da subida do dólar nos últimos meses. Além disso, a resposta parece ser óbvia, pelo mesmo motivo. Até mesmo entidades industriais que costumam dizer que o câmbio está sempre valorizado demais, pois querem sempre exportar mais, têm dito que este subiu além do que seria razoável [1].

O câmbio nominal, esse que vemos publicado nos jornais, vem quebrando recordes nominais neste ano de 2020. Todos os dias os jornalistas dizem: “Esta á a maior cotação da moeda americana desde a implantação do Plano Real!”. E é verdade, veja o gráfico 1, atualizado até o fechamento de fevereiro de 2020.

Conseguimos ter uma visão razoável da valorização ou desvalorização do câmbio somente olhando para o câmbio nominal? Essa miopia, que tem uma das suas causas em uma visão financeira de curto prazo, nos embaça a visão e não nos deixa ver o que é realmente importante ao longo do tempo.

Transmito a ideia através de um exemplo simples. Digamos que, há um ano, você fez uma viagem aos Estados Unidos e descobriu que o preço da camisa que você se programou para comprar por lá estava sendo vendida por US$ 40,00. A mesma camisa, em São Paulo na época, estava sendo vendida por R$ 200,00. Logicamente, a decisão de comprar a camisa passa necessariamente pela cotação da taxa de câmbio. Se esta estiver sendo cotada acima de R$ 5,00 por dólar, sem contar outros possíveis custos, valeria a pena comprá-la no Brasil. Um ano depois, você volta à mesma loja para comprar a mesma camisa. Considere que a taxa de inflação dos Estados Unidos tenha sido de 2% e a do Brasil, de 5% (ambas acumuladas neste período de um ano). Considere que a taxa de câmbio hoje seja de R$ 5,10 por dólar. Onde valeria a pena comprar a camisa? Se olharmos pela ótica dos jornais, dado que o câmbio subiu de R$ 5,00 para R$ 5,10, provavelmente não valeria a pena comprar no exterior, certo? Errado! Este pensamento existe porque não compreendemos o papel do aumento de preços ao longo do tempo.

 

 

Fazendo as contas, teríamos que o preço da camisa hoje nos Estados Unidos seria de US$ 40,80 (aumento de 2%), enquanto no Brasil, R$ 210,00 (aumento de 5%). Agora, fica fácil decidir: basta pegar o preço nos Estados Unidos e multiplicar pela taxa de câmbio corrente, ou seja, US$ 40,80 x 5,10 = R$ 208,08, ou seja, nesta situação, valeria a pena comprar a camisa no exterior mesmo com o câmbio tendo se desvalorizado nominalmente. A taxa de câmbio ajustada pelas inflações dos países é chamada de taxa de câmbio real e é esta que realmente importa nas transações ao longo do tempo e para a economia real. A taxa de câmbio real, implícita pelo diferencial de inflação de ambos os países, é de 5,1471 (= 210,00 / 40,80) , ou seja, mais cara que os 5,10 vigentes no mercado.

Abaixo, refaço o gráfico acima, mas ajustando a taxa de câmbio pelas inflações de ambos os países: IPCA no Brasil e CPI nos Estados Unidos. Faço ainda um ajuste onde a taxa de câmbio real de fevereiro é igual a 100. Com isso, podemos comparar, em relação a fevereiro de 2020, quão relativamente caro (acima de 100) ou barato (abaixo de 100) estava o câmbio em períodos passados.

Como se pode ver acima, o período que vai da desvalorização do real em 1999 até o final de 2002 foi um período que, comparativamente, o câmbio estava muito mais desvalorizado. Especificamente nos momentos finais do governo FHC, quando ficou claro que o candidato Luis Inácio Lula da Silva era o favorito para ganhar as eleições, a taxa de câmbio real atingiu seu pico de desvalorização, cerca de 60% acima do nível de fevereiro de 2020 (o que poderia sugerir uma taxa de câmbio perto de R$ 7,60 por dólar atualmente). Porém, não precisamos ir tão longe para buscar uma taxa de câmbio real próxima da atual. Estamos muito perto do nível de desvalorização do segundo semestre de 2015, ano em que a economia deu sinais claros de desaceleração e que terminou com a autorização para seguimento do processo de Impeachment da ex-presidente Dilma.

Ainda não temos os dados referentes às inflações de março, mas já sabemos que o câmbio nominal está muito mais caro do que em fevereiro por conta das incertezas relativas à pandemia de Covid-19 e suas consequências sociais e econômicas. Apesar disso, é pouco provável [2] que tenhamos uma desvalorização que faça com que atinjamos o mesmo nível de desvalorização do período pré-Lula mencionado acima.

Resumindo,  a taxa de câmbio que importa para a economia é a taxa de câmbio real, aquela que leva em consideração a dinâmica de preços das economias com as quais fazemos negócios. A taxa de câmbio nominal, essa que vemos nos jornais diariamente, é importante no curto prazo, porém não deve ser fortemente considerada quando analisamos as condições de competitividade de médio e longo prazo da economia. Considerando a taxa real de câmbio até fevereiro de 2020, não se pode dizer que estamos diante do câmbio mais desvalorizado que o Brasil já teve. Estamos num patamar de desvalorização que se equipara ao nível do câmbio de setembro de 2015, momento este de bastante incerteza, porém ainda abaixo do nível de incerteza do período de eleições de 2002.

 

REFERÊNCIAS:

[1] Artigo do Valor de 07/03/2020: Dólar está acima do patamar razoável, dizem entidades industriais. https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/03/07/dlar-est-acima-do-patamar-razovel-dizem-entidades- industriais.ghtml

[2] E aqui tomo um risco gigantesco, dado que estou colocando um juízo de valor em relação ao patamar do dólar no futuro… algo que nunca dá certo!

About
Oscar Simões
Diretor Acadêmico do ISE Business School, Diretor e Professor dos Departamentos de Economia e Direção Financeira, além de professor do Departamento de Direção Geral Doutorando em Economia | EESP-FGV, Mestre em Economia de Empresas | EESP-FGV, Graduação em Administração Pública | EAESP-FGV, PMD – Program for Management Development | IESE Business School Extensa experiência executiva na área financeira e de operações, lidando com produtos relacionados de tesouraria como câmbio, derivativos, commodities e renda fixa em São Paulo, Nova Iorque e Cidade do México. É também pesquisador do Centro de Macroeconomia Aplicada da EESP-FGV.

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