Capital de Giro: um conceito muito usado e muito confundido no Brasil

Todos que trabalham com finanças ou que se relacionam com a área financeira de uma empresa já ouviram falar de capital de giro. Não é incomum, no mercado brasileiro, ouvirmos que “precisamos de dinheiro para cobrir o capital de giro”. Esta cobertura vem dos bancos, geralmente, que abrem linhas de curto prazo para financiar esta necessidade. Porém, há uma incongruência no que eu acabo de afirmar e que vou tentar explicar a seguir.

As empresas só tomam dinheiro junto aos bancos ou aos acionistas para que possam investir em ativos. Os ativos podem ser de curto prazo, como o Contas a Receber (quando investimos no cliente) ou em estoques; ou podem ser de longo prazo, quando investimos em prédios, instalações, máquinas etc. Ao perguntarmos às pessoas do mercado financeiro sobre a definição de capital de giro, todos seriam certeiros em responder:

Capital de Giro = Ativo Circulante – Passivo Circulante

Dado que, na maioria dos modelos de negócio, o Ativo Circulante é maior que o Passivo Circulante, ficamos com a impressão de que o capital de Giro é realmente um ativo líquido e, portanto, um ativo que precisa de financiamento. Contudo, por que, então, chamamos isso de “capital”, dado que esse é um nome geralmente dado a uma fonte de financiamento?

Não preciso dizer que esta confusão gera uma profunda dificuldade para as pessoas realmente entenderem a dinâmica financeira de curto prazo das empresas. Minha proposta aqui é argumentar que o conceito original de capital de giro é sim o de uma fonte de financiamento.

Vamos primeiro definir melhor o que é capital de giro. Apesar de as pessoas definirem capital de giro utilizando a fórmula mencionada, esta não é uma definição formal, mas apenas uma das formas de se calcular o conceito de capital de giro (inclusive, eu diria que é a forma mais fácil de cálculo). Mas dizer como se calcula algo não define este algo. Se olharmos o balanço detidamente, veremos que podemos chegar ao mesmo valor da fórmula anterior fazendo os cálculos pela ótica do financiamento:

Capital de Giro = Patrimônio Líquido + Dívida de Longo Prazo – Ativos Não-Circulantes

Se a soma dos primeiros dois itens do lado direito (Patrimônio Líquido e Dívida de Longo Prazo) for maior que os Ativos Não-Circulantes (de longo prazo), teremos um capital de giro positivo. E o que um capital de giro positivo significa? Significa que sobrou dinheiro de longo prazo para ser investido em ativos circulantes. Portanto, é um capital (uma fonte de financiamento) reservado para o giro da empresa. A partir deste enfoque, o nome “Capital de Giro” começa a fazer sentido.

Se é assim, por que os bancos oferecem produtos para cobrir o capital de giro das empresas como se este fosse um ativo a ser financiado? Porque há uma confusão entre capital de giro e as Necessidades Operacionais de Fundos (NOF)[1].

As NOF são exatamente a parte do Ativo Circulante (de curto prazo) que ainda precisa ser financiada. O capital de giro é exatamente a fonte que ajuda a financiar parte destas NOF. Quando este não é suficiente para financiar todas as NOF, a empresa terá que complementar por meio de outra fonte de financiamento – em geral, por linhas de crédito de curto prazo dos bancos, ou seja, pelas linhas de “Capital de Giro”.

A clareza dos conceitos é essencial para nos ajudar a pensar a atividade financeira de curto prazo das empresas. Não há como pensar em gestão de caixa sem pensar na dinâmica entre o crescimento destas duas forças: Capital de Giro x Necessidades Operacionais de Fundos.

É a partir desta relação que obteremos a nossa necessidade de caixa ao longo do tempo, tópico muito importante para qualquer empresa ser capaz de tomar decisões, especialmente em momentos de crise econômica.

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[1] Este é o nome dado pelo IESE Business School e que adotamos também aqui no ISE Business School. Outros nomes para este mesmo conceito podem ser: Necessidade de Capital de Giro (NCG), Capital de Giro Líquido (CGL) etc. Em inglês, costuma-se chamá-lo de Net Working Capital (NWC).

 


 

O programa Finanças Essenciais para a Tomada de Decisão visa desenvolver nos participantes a prática de uma gestão empresarial que leve em consideração os reflexos financeiros das decisões estratégicas e comerciais, tanto no sentido de realmente compreender os seus efeitos quanto no de avaliar as limitações impostas pela situação econômica da empresa.

Entre os temas abordados destacam-se o entendimento da situação financeira da empresa, a necessidade de caixa e as suas causas, capital de giro, necessidade de e alavancagem. Serão contemplados também temas ligados à análise de projetos de investimento, ou seja, como avaliar um projeto de investimento à luz da sua rentabilidade e das suas consequências para a situação econômico-financeira da empresa.

About
Oscar Simões
Diretor Acadêmico do ISE Business School, Diretor e Professor dos Departamentos de Economia e Direção Financeira, além de professor do Departamento de Direção Geral Doutorando em Economia | EESP-FGV, Mestre em Economia de Empresas | EESP-FGV, Graduação em Administração Pública | EAESP-FGV, PMD – Program for Management Development | IESE Business School Extensa experiência executiva na área financeira e de operações, lidando com produtos relacionados de tesouraria como câmbio, derivativos, commodities e renda fixa em São Paulo, Nova Iorque e Cidade do México. É também pesquisador do Centro de Macroeconomia Aplicada da EESP-FGV.
Comments
  • Richard Sensburg
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    Bom dia Prof. Oscar, Muito obrigado pelos esclarecimentos. Nos EUA e no meu país (Alemanha) a definição do “Working Capital” = Ativo Circulante – Passivo Circulante é a definição comum. Mas achei aqui no Brasil várias definições diferentes do capital de giro que não seguem essa definição. A confusão é realmente grande. Nós usamos o valor do Working Capital em primeiro lugar para ter uma primeira impressão da liquidez da empresa, quer dizer um WC positivo indica que não há problemas, porque o ativo circulante pode “pagar” o passivo circulante. Mas a sua fórmula de Capital de Giro = Patrimônio Líquido + Dívida de Longo Prazo – Ativos Não-Circulantes para calcular o capital de longo prazo sobrando para financiar o WC é realmente um aspecto que não considerei até agora na forma adequada.

    Muito obrigado,
    Richard

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