O raciocínio básico por trás de toda estratégia empresarial envolve a tomada de decisões sobre atividades e recursos que precisam ser alocados para alcançar resultados e, ao mesmo tempo, garantir a sustentação do negócio no curto e longo prazos. Para esse intento, podemos identificar duas grandes categorias distintas de atividades sobre as quais pesam nossas decisões: o aproveitamento máximo das capacidades atuais (to exploit) e a exploração de novas possibilidades (to explore). A sustentabilidade da empresa depende do desenvolvimento de suas capacidades dinâmicas para tornar-se mais eficaz e eficiente ao executar seu modelo de negócio atual e, ao mesmo tempo, reconfigurar seu modelo em resposta à mudanças no ambiente de negócio. Essas duas formas distintas de agir e pensar sobre o modelo de negócio caracterizam a ambidestria.

Para uma empresa garantir sua longevidade ela precisa aproveitar todas as oportunidades disponíveis em seu negócio atual, e ao mesmo tempo explorar novas oportunidades que tragam novas linhas de receita. A longevidade das empresas que têm sucesso nessa missão é explicada por sua capacidade de constantemente adaptar-se às mudanças do ambiente. A famosa frase de Charles Darwin sobre a origem das espécies, também pode ser usada para as empresas longevas: “Não é o mais forte que sobrevive. Nem o mais inteligente. Mas o que melhor se adapta às mudanças”.

O sucesso do modelo de negócio de uma empresa acaba por dificultar a exploração de novas tecnologias e mercados na medida que estas novas estratégias não se encaixam no que o Professor Clayton Christensen chamou de ‘fórmula de resultado’. Os tomadores de decisão alocam seus recursos em processos de negócios que geram os resultados da empresa. Esses resultados são medidos em termos de taxa interna de retorno (TIR), lucratividade, participação de mercado, valor das ações, entre outros. Quando os tomadores de decisão avaliam uma nova tecnologia, um novo mercado ou mesmo um novo modelo de negócio, comparam os resultados desse novo projeto utilizando a mesma régua do negócio atual e, invariavelmente, dificultam a adoção dessas novas iniciativas. Essa é a principal razão para que seja muito mais difícil para uma empresa estabelecida gerar sua própria disrupção.

A dissonância cognitiva, que surge na mente dos tomadores de decisão, é justamente o que deu nome ao famoso livro do Professor Christensen (2016): “O dilema do inovador”. Uma postura ambidestra, que aproveite as oportunidades do modelo atual e explore as novas possibilidades disponíveis, é a grande solução para esse dilema.

Buscando respostas para esse dilema, a consultoria McKinsey (2019) desenvolveu o “Modelo dos 3 Horizontes”, sugerindo que a empresa administre seus projetos dentro de três diferentes prazos: atual, emergente e futuro, e assim busque equilibrar oportunidades de curto, médio e longo prazos. Nessa mesma linha, Osterwalder e Pigneur (2019) propõem um mapa para alinhar as estratégias de aproveitamento e exploração.

Ambos os modelos são carentes em abordar como as empresas internamente se organizam para a ambidestria. Humble, Molesky e O’Reilly (2015) sintetizam as principais diferenças entre estas duas linhas de ação:

Aproveitar (o existente) Explorar (o novo)
Estratégia Inovação incremental, otimizar modelos de negócio existentes Inovação radical ou disruptiva, inovação do modelo de negócios
Estrutura Múltiplos times alinhados pela missão Pequenos times multidisciplinares e multifuncionais
Cultura Melhorias incrementais e otimização, foco na qualidade e na satisfação do cliente Alta tolerância para experimentação, tomador de risco, aceitação de falhas, foco na aprendizagem
Gestão de Risco Um conjunto maior de trade-offs específicos para cada produto ou serviço Maior risco é a falha em atingir o encaixe entre produto e mercado
Objetivos Maximizar rendimento dos mercados capturados, superando competidores Criação de novos mercados, descoberta de novas oportunidades nos mercados existentes ou adjacentes
Métricas de sucesso Superar previsões, atingindo alvos planejados e objetivos Atingir um encaixe entre produto e mercado

Fonte:  Humble, Molesky, O’Reilly (2015). Lean Enterprise: how high performance organizations innovate at scale, pg 25.

 

Existem ainda algumas possibilidades de organizar e estruturar a ambidestria dentro das organizações. Pesquisas e estudos de casos levaram à identificação de três tipos de ambidestria (O’Reilly e Tushman, 2013):

Ambidestria Sequencial: quando a empresa realinha suas estruturas em resposta a uma mudança no ambiente e gradualmente vai migrando a antiga forma de fazer negócios para a nova maneira. Esta fase de transição tende a ser longa e por isso acaba demandando processos de gestão dessa ambidestria. Um exemplo desse tipo de ambidestria é o que aconteceu com a Netflix ao migrar do seu modelo de aluguel de DVDs para o streaming.

Ambidestria Estrutural, ou simultânea: aparece naquelas situações, bastante comuns, em que a empresa cria estruturas independentes para balancear e buscar resultados tanto de aproveitamento dos negócios atuais como da exploração de novas oportunidades. Essas estruturas independentes também se diferenciam em termos de competências, sistemas, incentivos e até mesmo de cultura. O Banco Bradesco, por exemplo, criou o Next como forma de explorar e experimentar as oportunidades oferecidas por um banco totalmente digital.

Ambidestria Contextual: depende fortemente do julgamento das pessoas que compõem uma empresa, e que tm que tomar decisões sobre a alocação do tempo que será dedicado para cada demanda conflitante entre ‘aproveitar’ e ‘explorar’. A empresa precisa oferecer um contexto de apoio operacional para garantir que cada indivíduo administre a ambidestria no nível individual e de pequenos grupos. Aqui, surge a necessidade de gerar forte accountability entre membros da empresa. Empresas como a 3M e o Google incentivam que seus colaboradores dediquem parte do tempo para o desenvolvimento de ideias e empreendimentos que não estão relacionados diretamente com as suas responsabilidades.

Após um longo estudo de casos, analisando sucessos e insucessos de empresas que buscavam gerenciar a ambidestria, O’Reilly e Tushman (2011) listaram as condições para que a ambidestria traga resultados positivos às organizações. São elas:

  • A intenção, no alto nível de decisão, de implementar as estratégias de aproveitar (to exploit) e de explorar (to explore).
  • A articulação de uma visão, e de valores que definam uma identidade comum entre as unidades dedicadas ao “aproveitar” e ao “explorar”.
  • Uma equipe experiente que defenda e comunique constantemente as estratégias de aproveitamento e exploração, e que defina sistemas de recompensa independentes, mas que ainda assim considerem um fim comum.
  • Estruturas organizacionais separadas, porém, alinhadas (modelos de negócios, estrutura, incentivos, métricas e culturas) para as unidades de aproveitamento e exploração, garantindo que a integração seja realizada tanto no nível estratégico como no tático, de modo a alavancar adequadamente os ativos da organização.
  • A capacidade da liderança sênior de tolerar e resolver as tensões decorrentes de falhas de alinhamento.

Minha pesquisa e experiência profissional tem conectado o desafio da ambidestria com o da aprendizagem organizacional. Uma organização que aprende, ou seja, aquela que é hábil em criar, adquirir e transferir conhecimento, modificando seus comportamentos para refletir estas novas percepções, estará mais apta a administrar a ambidestria e capturar valor tanto das atividades atuais como das novas oportunidades. Uma organização que aprende, aperfeiçoa suas capacidades atuais ao mesmo tempo que desenvolve novas capacidades. Existe inovação em ambos os lados da ambidestria.

 


Referências

Christensen, Clayton M. The Innovator’s Dilemma: When New Technologies Cause Great Firms to Fail, Harvard Business Review Press, 2016.

Humble, Jez; Molesky, Joanne; O’Reilly, Barry. Lean Enterprise: how high performance organizations innovate at scale, O’Reilly, 2015.

March, James G. Exploration and exploitation in organizational learning. Organizing Science, Vol. 2 No. 1, 1991.

McKinsey. Enduring Ideas: The three horizons of growth. Disponível em: https://www.mckinsey.com/business-functions/strategy-and-corporate-finance/our-insights/enduring-ideas-the-three-horizons-of-growth. Último acesso em 07/02/2020.

O’Reilly, Charles; Tushman, Michael L. Lead and disrupt: how to solve the innovator’s dilemma. Stanford Business Books, 2016.

O’Reilly, Charles; Tushman, Michael L. Organizational Ambidexterity: past, present and future,  Academy of Management Perspectives, 2013.

O’Reilly, Charles; Tushman, Michael L. Organizational Ambidexterity in Action: how managers explore and exploit. California Management Review, Vol. 53, No. 4, Summer, 2011.

Osterwalder, Alex; Pigneur, Yves. Business Model Evolution Using the Portfolio Map. https://www.strategyzer.com/blog/business-model-evolution-using-the-portfolio-map. Último acesso em 07/02/2020.

About
Ricardo Engelbert
Diretor dos Departamentos de Empreendedorismo, Operações, Tecnologia e Informação e Professor de Inovação e Direção Geral Lecturer do IESE. AMP – Advanced Management Program ISE-IESE Business School. Doutorado em Administração Universidade Positivo MBA em Gestão Executiva | FGV Graduação Engenharia Elétrica Universidade Tecnológica Federal do Paraná Carreira Executiva como Diretor de Unidade de Negócios Internet da GVT, Diretor de Serviços Internet, Diretor de Produtos e Novas Mídias. ricardo.engelbert@ise.org.br

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