É tempo de renúncia! Estamos preparados? – A necessária transformação da governança nas empresas brasileiras

Será que estamos preparados para renunciar aos nossos interesses pelos interesses da sociedade? Será que estamos preparados para renunciar aos benefícios econômicos de curto prazo para cuidar das pessoas e do meio ambiente? Será que estamos preparados para cuidar da saúde financeira de nossas empresas no curto, médio e longo prazos? Será que estamos preparados para propor uma estratégia coerente e consistente sem nos deixar influenciar por modismos que nos distraem diariamente? Será que estamos preparados para promover a transformação cultural necessária em nossas empresas para que elas possam responder às expectativas de nossos clientes? Será que estamos preparados para decidir bem nos Conselhos de Administração? Será que estamos preparados para renunciar ao poder que está em nossas mãos em prol da decisão colegiada nos Conselhos e Comitês de Direção?

Em um ambiente imprevisível com alto grau de incerteza e instabilidade em que as empresas e seus dirigentes se relacionam com um grupo cada vez mais amplo de stakeholders (multistakeholderism) e estão expostos às mais diversas externalidades, fica evidente a necessidade de um processo decisório robusto e qualificado e, ao mesmo tempo, capaz de responder com agilidade às demandas do negócio.

A necessidade de transformação da Governança Corporativa nas empresas brasileiras fica latente diante deste contexto. Reconhecer a importância de implementar princípios norteadores na gestão das empresas brasileiras que promovam atitudes éticas, humanas e responsáveis em relação a todos os stakeholders é iminente.

Neste sentido, faz-se necessário estabelecer um novo marco para a Governança Corporativa nas empresas brasileiras, partindo de uma visão de ser humano e de empresa que rompe com muitas práticas corporativas atuais nocivas à sociedade, às pessoas e ao meio ambiente. Precisamos discutir maneiras de dirigir o negócio que possibilitem uma tomada de decisão ancorada em princípios, valores e virtudes e que impulsionem a capacidade de crescimento do negócio, florescimento e desenvolvimento das pessoas e consequente geração de resultados.

Repensar profundamente a razão de existir das organizações e sua responsabilidade perante a sociedade nos evidencia paradoxos e trade-offs presentes em uma perspectiva humana das organizações. Estão presentes também os dilemas de curto, médio e longo prazos e os desafios na criação de valor e perenidade dos negócios.

A lucidez sobre a realidade conjuntural das empresas e da nossa sociedade é crucial no sentido de propor modelos de negócios e estratégias que permitam às empresas prestar serviços e oferecer produtos que solucionem os problemas da nossa sociedade, sem gerar novos problemas. O modelo em vigor de sociedade capitalista em que as empresas estão para gerar lucro máximo para os seus acionistas está em xeque já há algum tempo, promovendo uma revolução na maneira de pensar e gerir as empresas. Cabe aos membros dos Conselhos intermediar essa discussão juntos aos acionistas, investidores e o management da organização de forma a promover as transformações organizacionais necessárias, implementando uma Governança que alavanque o desenvolvimento humano e econômico da organização e por consequência, da sociedade.

Este modelo de Governança exige dos conselheiros um conjunto de habilidades e virtudes cada vez mais completo e complexo. A capacidade técnica excelente é obrigatória, incluindo domínio dos aspectos financeiros e estratégicos da organização, mas não é suficiente. Esta posição pede uma formação moral sólida e consistente, muita habilidade política e uma formação humana que diferenciam a decisão quando estes aspectos são contemplados. Saber ler o contexto fazendo um bom diagnóstico e síntese é chave. Tomar a decisão correta e conseguir sua implementação pelo management, dimensionando impactos, corrigindo rotas e envolvendo todos os stakeholders é vital.

Sob a perspectiva de negócios global, a Governança das empresas deve impulsionar a construção de um desenvolvimento sustentável para a realidade brasileira, partindo do nosso contexto político, econômico e social de forma a promover o crescimento e a perenidade do negócio e estabelecer parâmetros competitivos consistentes.  Correlacionar o macroambiente com as particularidades de cada negócio exige tempo, proximidade e dedicação. Nos cabe promover a consciência dessa responsabilidade do Conselheiro. É necessário muito trabalho, e trabalho duro.

Entendo que um bom Conselho é aquele que está a serviço da organização, que cuida dela em todos os aspectos, promove sua perenidade por meio de resultados consistentes e que contribui com o bem comum da sociedade. Tenho claro que a gestão de indicadores é consequência e não princípio. O impacto social e ambiental positivo é resultante de atitudes éticas, de princípios e propósitos coerentes e consistentes.

Provoco todos a repensar os princípios que regem a maneira com que são conduzidos os negócios de forma a possibilitar uma atuação adequada às necessidades das empresas brasileiras e da nossa sociedade.

Acredito que a Governança está a serviço da ética, das pessoas, do propósito das empresas e, consequentemente, da sociedade e que deve impulsionar a inovação, o desenvolvimento integral das pessoas e o crescimento do negócio. Esta é a crença que deveria estar presente em todas as organizações.

Cabe aos Conselheiros buscarem alternativas e critérios para tomar melhores decisões, mais éticas, mais humanas, que gerem valor para o negócio e que permitam um impacto positivo e duradouro em toda a sociedade. Para isso, caberá a todos renunciar aos próprios interesses, inclusive (e principalmente) econômicos, em prol do bem comum da organização e da sociedade. Estamos preparados?

About
Flávia de Santis
Diretora Executiva do ISE Business School. Responde pela área de Pessoas & Organização e pela área de Programas Customizados. Doutoranda em Governo e Cultura das Organizações – Instituto de Empresa y Humanismo – Universidade de Navarra IBGC – Formação para Conselheiro de Administração (2019) Mestrado em Governo e Cultura das Organizações – Instituto de Empresa y Humanismo – Universidade de Navarra - 2018 PMD (Program for Management Development) IESE Business School – 2012 Escuela Europea de Coaching y Habilidades Directivas - 2009 MBA em Marketing de Serviços pela ESPM - 2005 Graduação em Administração Pública na EAESP-FGV (+ Saint Mary’s University – Canadá) Carreira Executiva em empresas como Atento, AT&T, Banco Santander e Promon. Atuação nas áreas de estratégia, pré-vendas, desenvolvimento e gestão de serviços, novos produtos, customer care e go to market.
Showing 2 comments
  • FABIO CARNEIRO
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    Muito bacana seu artigo Flávia. Renunciar nos leva a abrir mão do que consideramos nossa propriedade. Nada fácil para o conceito de ser humano que nos forjou.
    Vamos falar mais a respeito.

    • Flávia de Santis
      Responder

      Oi Fabio, marcamos um café! De fato, é uma revisão de princípios e valores. Uma revisão do que precisamos como seres humanos para sermos felizes.

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