Rui Ribeiro Couto teve uma fórmula feliz, que anos depois seria aproveitada por Sergio Buarque de Holanda no seu livro “Raízes do Brasil”, quando disse que “a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade – daremos ao mundo o “homem cordial””.

A autenticidade no trato, a hospitalidade, a generosidade são virtudes que formam um aspecto bem definido do “homem cordial” de Ribeiro Couto. No caso brasileiro, essas formas não significam necessariamente boas maneiras e civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emocional extremamente rico, que busca relações pessoais verdadeiras e muitas vezes procura penetrar na intimidade daqueles que com ele interage. O “homem cordial” não se sente à vontade numa relação puramente formal. A confiança, para ele ou para ela, é fundamental para estabelecer vínculos, fechar acordos e trabalhar em equipe.

A cordialidade, definida assim por Ribeiro Couto, tem sido muito desafiada nos últimos tempos, principalmente no ambiente empresarial. A figura do Estado Moderno, como mediador entre pessoas e instituições e garantidor da segurança de nossos acordos, vai eliminando, aos poucos, a necessidade das relações de confiança para que alcancemos os resultados e a eficiência esperados em nossos negócios. A presença do “contrato social”, que nas empresas constitui um sinal de profissionalismo e organização, quando super valorizada acaba por refrear as relações de confiança entre as pessoas e o resultado é um ambiente frio, áspero e individualista.

Vem a pandemia.

E passamos a viver meses de exceções. Um período em que todos nós estivemos confinados em nossas casas – em muitíssimos casos juntos a nossas famílias – experimentando mudanças, adquirindo novos hábitos, aprendendo coisas novas. A distância criada pela quarentena mudou a comunicação entre as pessoas. Mudou não só pelos meios digitais utilizados, mas principalmente pelo tempo empregado e pelo serviço que prestamos uns aos outros nestes dias de crise.

Aparentemente, a experiência desses meses de pandemia nos recordou o valor da conversa simples entre as pessoas. Se por um lado a covid-19 nos privou do encontro fortuito com nossos companheiros de trabalho, quando tomamos um café, por outro nos chamou a atenção para a importância de estarmos mais disponíveis e mais sensíveis às necessidades das pessoas com quem trabalhamos e convivemos.

 

O home office nos mostrou, principalmente, o quanto as relações contratuais nos sufocam e ferem nossa liberdade. Ao transportar o escritório para casa, ficamos com a impressão de que a “Teoria da Agência” de Jensen e Meckling perdeu a sua força, que o micromanagement diminuiu e que aumentou a nossa autonomia.

Talvez seja por isso – não quero pensar que seja por comodismo – que muitas pessoas na Europa e aqui no Brasil estejam tão resistentes a deixar o home office para voltar a trabalhar no espaço habitual de sua empresa.

A grande vantagem que o home office trouxe não foram tanto os ganhos de tempo e produtividade, mas poder trabalhar sem o peso das relações contratuais. O home office, no fundo, expôs a necessidade que temos das relações de confiança no dia a dia da empresa.

Visto deste modo, o valor não está propriamente no trabalho em casa. Ainda que tenha nos indicado o caminho, o home office não nos estimula, não nos desafia, não permite relacionarmo-nos de forma completa. Nega sim o que é tóxico, mas não acaba de afirmar o que é importante: as relações cordiais. O “homem cordial” e, especificamente o “homem cordial” na empresa, deve ser, este sim, o novo normal.

“O mundo mudou…” é a frase que tenho escutado muitas vezes nesses últimos dias. É verdade. E devemos trabalhar para fortalecer as inovações e sedimentar o aprendido. Ao retornarmos à empresa, faz-se necessário o empenho para desenvolvermos essa disponibilidade que nos permite encontrar tempo para estar e conversar cordialmente com as pessoas. Também saberemos preservar o tempo, descoberto nesses dias, tão importante para viver com disponibilidade com nossas famílias e com nossos amigos. Cabe a nós assegurar esta evolução, reforçando a ideia de que as relações cordiais e de confiança devem sempre se sobrepor àquelas apoiadas e garantidas pelo contrato social de Rousseau.

Poucos dias antes do início da pandemia, saí para almoçar com um professor americano que nos visitava e outras duas pessoas da escola. Ao chegarmos ao restaurante, um bom grupo de pessoas já esperava por uma mesa, sem que pudéssemos ver uma fila ou um lugar para pegar senhas. O professor americano não deixou de demonstrar, com expressão de perplexidade, certo desconforto com a situação. Poucos instantes depois, chamaram um homem bem vestido, de cabelos grisalhos que, sozinho, também esperava a sua vez. Ao se dirigir à mesa que lhe haviam dado, ele parou ao nosso lado:

– Vão vocês. Posso esperar uma mesa menor.

About
José Paulo Carelli
Diretor Geral do ISE Business School e Professor de Direção Geral, Direção Financeira, Ética nos Negócios e do Núcleo de Humanismo e Empresa Lecturer | IESE Business School Doutorando em Economia | Universidade de Navarra MBA | IESE Business School Mestre em Economia | EPGE/FGV-RJ Graduação em Engenharia | PUC-RJ Foi diretor geral da Ficosa do Brasil

Leave a Comment