Negociação e Cultura: o caso Brasil x Argentina

Todos podemos imaginar o quanto a cultura chinesa é diferente da brasileira. Por outro lado, sabemos também que nossos irmãos argentinos não são iguais aos brasileiros e, mesmo dentro do Brasil, temos diferenças culturais marcantes. Contudo, se olharmos as pesquisas sobre este tema, a impressão que fica é a de que a América Latina como um todo tem a mesma cultura.

A figura abaixo, por exemplo, foi retirada de um artigo recente (Brett, Gunia and Teucher, 2017), sobre cultura e negociação, publicado em uma prestigiosa revista da Academy of Management. E novamente vemos a América Latina como sendo um bloco homogêneo.

 

Isto me fez lembrar da conversa que tive recentemente com um aluno argentino, de quem fiquei muito amigo. Depois de “charlar” sobre futebol – e quase perder o amigo – ele começou a comentar sobre as dificuldades que teve para se adaptar à cultura brasileira, e falou sobre os vários desafios que teve ao longo dos primeiros anos. Decidi então aprofundar no assunto para entender o que estava acontecendo, e me parece que a chave da questão está em entender a cultura como algo relativo.

Para ficar mais claro, conto uma outra história.

Mais de uma vez ouvi o quanto nós brasileiros consideramos os franceses um povo muito mais rígido com a questão do tempo, afinal, não toleram bem um atraso de apenas 30 minutos.

Durante um programa para executivos em Barcelona, tive a oportunidade de conversar com uma amiga executiva alemã que mora na França, e ela me confidenciava que considera os franceses muito relaxados com o tempo, afinal de contas, consideram normais atrasos de 5 ou 10 minutos.

Quero dizer, mesmo que todos nós – latino-americanos – sejamos vistos como menos planejadores (com visão mais de curto prazo), a partir da visão de um americano, pode haver diferenças significativas entre nós, ou seja, relativamente a outro país latino-americano podemos até nos achar com visão de longo prazo. Resumindo, o tema da cultura tem sempre uma questão de relatividade, depende de com quem nos comparamos.

Por isso, decidi buscar estudos que continham dados um pouco mais detalhados e com os quais eu poderia comparar as culturas brasileira e argentina. Relendo um autor chamado Hofstede, que realizou talvez o que pode ser considerado o estudo mais completo sobre cultura até hoje, percebi que, apesar de algumas dimensões culturais serem semelhantes entre o Brasil e a Argentina, ainda existem diferenças marcantes entre elas.

Vejamos, por exemplo, como brasileiros e argentinos pontuam na dimensão de Orientação a Longo Prazo, que mede a disposição em adiar os desejos imediatos por um bem maior no futuro, tendo em conta que um japonês pontua 92. Podemos ver na figura abaixo que, embora ambos os países sejam muito orientados a curto prazo, para um argentino, o brasileiro pode ser considerado alguém orientado a longo prazo. Do ponto de vista de uma negociação, um argentino vai parecer mais imediatista, e portanto, mais competitivo no ponto de vista de um brasileiro.

Na dimensão de Individualismo, que mede o nível em que os indivíduos se integram na sociedade e o sentimento de pertencimento ao grupo, quando comparamos as duas culturas vemos que o brasileiro é muito mais coletivista que o argentino, embora ambos sejamos coletivistas na visão de um estadunidense, que pontua 92 neste quesito.

No contexto da negociação, um brasileiro vai achar o argentino muito individualista, que dá pouca importância para o grupo e que não se importa em iniciar um conflito quando busca negociar com outra parte.

Na dimensão de Distância ao Poder, que mede o quanto se espera e aceita a distribuição desigual de poder, quando vemos os dois países, percebemos que há muitas diferenças, embora para alguém do norte da Europa ou da Nova Zelândia, com índice de 22, possa imaginar que ambos os países possuem muita Distância ao Poder.

Um brasileiro tem muito mais dificuldade que um argentino em dizer não, pois acostumou-se a sempre tentar agradar o chefe. Numa negociação este comportamento do argentino pode parecer uma ofensa pessoal a um brasileiro, pois este não está acostumado a receber um não tão direto.

Estas diferenças acima geram impacto nas negociações, afinal, negociar não é nada menos do que se comunicar, tendo em conta o contexto, valores e normas, ou seja, a cultura de cada parte. Da próxima vez que formos negociar com um latino-americano, tenhamos em conta que por mais que sejamos vistos como iguais, para um europeu ou um estadunidense nossas diferenças são grandes o suficiente para exigir um cuidado com as diferenças culturais, procurando ter em conta a cultura da outra parte, melhorando a criação de valor ao longo do processo.

About
Marcos Citeli
Diretor e Professor dos Departamentos de Contabilidade e Controle e Análise de Decisões. Professor de Negociação, Empresa-Família e Direção Geral. Membro do Núcleo Consensus de Estudos em Negociação. Doutorando e MBA IESE Business School Certificado pelo International Faculty Program IESE Business School. Mestre em Sistemas PUC-RJ Graduação em Engenharia de Sistemas IME – Instituto Militar de Engenharia Atua com o consultor de empresas mciteli@ise.org.br

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