Quais as alternativas ao fazer a gestão de caixa em momentos de crise?

Edson Alves Menini

CFO / Diretor Executivo / Conselheiro – Unity Brindes
PDG 2000 / AMP 2002

 

#nomeucaso

“Em março, antes de saírem as primeiras medidas de auxílio às empresas eu discutia com o dono de um grupo de empresas e explicava que, para o plano de sobrevivência de 6 meses que estávamos traçando, ele iria precisar de cada centavo de caixa.

Antes também de saírem as primeiras medidas (atabalhoadas) com relação à folha de pagamento a empresa se preparava para executar seu próprio plano.

O grupo é composto de 3 empresas sendo 2 no regime de lucro presumido e 1 no regime do Simples Nacional. As empresas são de médio porte e teriam condições de sobreviver apenas 2 meses sem nenhuma ajuda. A receita caiu 70%.

Então começamos as análises de cenários ainda sem o governo ter se manifestado, sem os bancos terem se posicionado sobre os empréstimos, enfim, sem “farol”.

Precisamos a todo custo proteger o caixa, proteger os salários, renegociar os fornecedores, mas não deixar de pagá-los pois eles também estarão em dificuldades. Esta situação é um verdadeiro “cisne negro” e medidas de políticas econômicas teriam que vir.

Os impostos sobre o faturamento levam 17% da receita bruta. Os governos estaduais estão pleiteando carências enormes na sua dívida com o governo federal, mas o Estado de São Paulo, onde estamos, nada falou até agora sobre o ICMS. O governo federal acenou com prorrogação dos impostos do Simples, mas não incluiu o pagamento de março referente à competência de fevereiro de 2020. Também concedeu uma flexibilização do PIS/COFINS mas se calou diante do IRPJ/CSLL. O BNDES anunciou linhas que chegam na ponta a um custo 10 vezes mais caro o anunciado na página do banco quando sequer disponível. Nosso “principal banco” exigiu garantias reais (bens, imóveis, aplicações financeiras, etc) para conceder o tal “empréstimo emergencial” anunciado pelo governo (nota: somos empresa adimplente em todos os sentidos).

Resumindo, o plano para conseguir uma sobrevivência de 6 meses passou por ações de vendas, renegociação com bancos, redução do custo de folha de pagamento, redução de despesas e redução de investimentos. Que consequências a inadimplência dos impostos que incidem sobre faturamento gerariam? Pode prejudicar uma CND por algum tempo? Creio que sim, mas dada a gravidade dos tempos que estamos vivendo, este seria um mal menor se conseguirmos promover a sobrevivência da empresa? Quais outros caminhos tomar?”

 


Comentário:

Pedro Arieira
Professor de Contabilidade e Controle e Operações do ISE Business School

 

Edson, até agora você endereçou muitas das iniciativas que precisam ser endereçadas perante essa crise e é realmente difícil achar novos caminhos.

Em momento de crise sistêmica, como a que enfrentamos hoje, é importante que o impacto seja distribuído por toda a cadeia. É positivo o seu entendimento de não “esticar a corda demais” com fornecedores e colaboradores, pois estes serão importantes na retomada. Porém, é mais difícil ainda repassar o ônus da cadeia para o cliente.

Cito abaixo alguns caminhos, mas suspeito que já tenha avaliado muitos deles:

  • Redução de estoque de matéria prima e produtos acabados, otimizando operações para ficarem mais “just in time” ou “pull”, se o modelo de negócios permitir. Em momentos de crise fica mais fácil negociar prazos de entrega versus preço.
  • Oferecer “saldões” ou negociar redução de prazos e antecipações de contratos em troca de descontos (para geração de caixa no curto prazo, que, a depender da sua situação de caixa, pode até ser com margem negativa, dado que a liquidez é a prioridade agora. Posteriormente você poderá ajustar a sua margem para que esteja alinhada com uma trajetória de longo prazo).
  • Continuar monitorando ativamente as iniciativas do governo para fomentar financiamento e postergação de impostos. O Programa Emergencial de Suporte a Empregos e Pronampe buscaram ajudar o financiamento, porém podem ter tetos baixos demais para a Unity (R$10mm e R$4,8mm, respectivamente). E, como você mencionou, para operacionalizar esses programas os bancos têm pedido investimentos ou imóveis em garantia, que dificulta. Sobre esse ponto, veja também artigo do Prof. Oscar Simões (você pode lê-lo aqui). Há ainda algumas iniciativas do governo federal em relação a novos programas de ajuda que não consideram as amarras trabalhistas de manutenção de emprego, que nos resta esperar, infelizmente.
  • Invista no relacionamento com o banco. As empresas brasileiras infelizmente não têm esse costume. Aproxime-se do seu banco e valorize a transparência do relacionamento. Muitas empresas atualmente estão vendo que se o gerente de conta tem bom conhecimento da sua empresa, ele poderá batalhar mais por ela nos comitês de crédito e isso pode fazer toda a diferença entre estender ou não uma linha de crédito adicional.
  • Em relação à sua pergunta sobre inadimplência de impostos, essa é sempre uma questão delicada. Por um lado, inadimplemento gerará multa (até 20%), e se enviada a cobrança judicial essa multa aumenta (até +20% sobre o total). Por outro lado, CNDs foram prorrogadas e atos de cobrança suspensos até fim de junho e há expectativa de aumento neste prazo. Adicionalmente, há a possibilidade de novos parcelamentos especiais, como o REFIS que o deputado Ricardo Guidi introduziu na Câmara semana passada, que suavizariam o impacto do débito tributário. Há advogados que acreditam fortemente que as secretarias de fazenda abrirão novos programas para flexibilizar a inadimplência gerada por essa crise, mas ninguém pode garantir se, quando e quais impostos serão considerados. As incertezas dessa opção nos levam a evitá-la, mas é válido fazer uma análise de árvore de decisão e comparar o valor esperado versus as demais alternativas. Pode ser que o pior dos casos, de parcelamento do débito (multa de ~20% +juros) seja menos oneroso do que outras possíveis medidas. E, se a opção for entre inadimplir e quebrar a empresa, a decisão é dura, porém clara.
  • Por fim, faz-se urgente a revisitação do modelo de negócios para tentar buscar alternativas de produtos e serviços que possam ser fornecidos durante (e após) a pandemia. A pergunta sobre o que vocês poderiam oferecer, com os recursos atuais disponíveis, é imprescindível nesse momento. É uma pergunta difícil de se fazer, pois ela pede que sejamos mais criativos do que achamos que podemos ser. Mas é na busca por essa resposta que podemos achar soluções inovadoras. Não deixe de fazer esse exercício e deixar ela martelar na cabeça constantemente. Isso é pensar estrategicamente numa crise.

Espero que possa tirar algum proveito dos pontos acima. Você, como bem sabe, não está sozinho nesta situação, infelizmente. Apesar de todas as dificuldades que passamos e que ainda vamos passar, temos segurança em dizer que sairemos dessa mais maduros e, portanto, mais conscientes do nosso papel como empresários e colaboradores. Todos estão perdendo algo nessa pandemia. Alguns perderão mais, outros menos. Mas seremos todos responsáveis por refazer o que foi desfeito com a crise e por reconstruir o país com um olhar mais prudente. Fique seguro e com saúde.

 


Escreva (no final desta página) seu comentário para participar da discussão.

Leave a Comment