Poupe o meu tempo!… Para quê?

Todos nós já nos deparamos, ao menos uma vez na vida, com a expressão “tempo é dinheiro”. De tanto a ouvirmos, acabamos por acreditar piamente nisso, e passamos a contabilizar cada pequeno segundo como uma moeda, depositada em algum investimento seguro que só poderá ser resgatada no futuro: aquele futuro maravilhoso que planejamos para quando conseguirmos a promoção, e então finalizarmos o MBA, e então educarmos nossos filhos, e então sermos promovidos novamente… Aquele futuro que permanece, sempre, como um futuro. Jamais se concretizando no presente.

Como nós, o Sr. Fusi, barbeiro de longa data e amigo próximo de Momo – a garotinha que morava no velho anfiteatro abandonado e era a melhor ouvinte da cidade –, também começou a ver o tempo como algo que precisava ser poupado. Certo dia, enquanto aguardava um cliente que estava para chegar e via as gotas pesadas de chuva caírem na calçada, pegou-se pensando em como sua vida lhe parecia sem sentido. Ela passava… passava… e, após o dia de sua morte, ninguém se lembraria dele, já que não havia feito lá grande coisa com seu tempo. A alma do Sr. Fusi encontrava-se cinzenta, e por isso, acabou atraindo a atenção de um homem estranho, de aparência cinzenta, que portava um chapéu coco e uma pasta de couro combinando com a roupa, também cinzenta. Tratava-se de um funcionário da Caixa Econômica do Tempo, o agente XYQ/384/b.

Rapidamente, o homem passou a fazer uma porção de contas confusas, que averiguavam quantos segundos de vida o Sr. Fusi tinha vivido, quantos ainda tinha a viver, e quantos estava desperdiçando quando comia, dormia, cuidava da mãe doente, lia algum livro ou refletia sobre a vida. Assustado, o Sr. Fusi rapidamente foi levado a constatar que precisava urgentemente economizar tempo. Colocar a mãe em um asilo pouparia os segundos gastos com seus cuidados; e para quê refletir ao lado da janela antes de dormir? Uma hora inteira de almoço também era bobagem, já que poderia comer em quinze minutos; tampouco era necessário gastar trinta minutos por cliente na barbearia, já que era perfeitamente possível atendê-los em quinze ou vinte minutinhos.

Segundo o homem cinzento, essa era a única maneira de o Sr. Fusi conseguir mais tempo, o suficiente para que ele alcançasse um futuro brilhante como havia sonhado! Não havia dúvidas de que a proposta era vantajosa e, por isso, ele a aceitou. Em consequência, passou a ver seus dias cada vez mais cinzentos, pois lhe parecia que quanto mais economizava tempo, menos tempo tinha para ser feliz. Logo seu trabalho tornou-se vazio, já não via graça em nada e passou a atender seus clientes com um humor cada vez mais soturno…

Será mesmo que cuidar da mãe é uma perda de tempo? E reservar uma hora para almoçar confortavelmente? Ou tirar um momento para fazer alguma coisa que nos dê prazer, é também uma perda de tempo? Muitas vezes acostumamo-nos a ver a vida passar diante de nossos olhos como se não fosse nossa, sempre almejando o dia seguinte que será muito melhor. Possivelmente ele, de fato, será, mas… E quanto a todos os outros momentos que perdemos nesse ato de aguardar? Ao encontrar a garotinha Momo, o agente BLW/553/c, enfeitiçado por sua mágica capacidade de ouvir, não conseguiu resistir e deixou escapar a verdade: a Caixa Econômica do Tempo é uma farsa! Todo o tempo poupado é um tempo morto, que alimenta uma horda de homens cinzentos e garante a sua sobrevivência.

Não importa quanto tempo poupemos nos dedicando a horas exaustivas de trabalho, abdicando de nossa família ou diversão em prol do futuro que nos aguarda.  Quando é chegado o momento de partir, partimos. Não haverá poupança de segundos a recorrer. Só restará a vida que vivemos e, caso não tenhamos feito grandes coisas, como o Sr. Fusi, ainda seremos lembrados por aqueles com quem estivemos, a quem amamos, cuidamos, ensinamos. Não existe tempo perdido.

Essa era a grande verdade que Momo desejava contar para todos que estavam sob a influência dos homens cinzentos. Por isso, ao encontrar com o Mestre Tempo – criatura responsável por distribuir o tempo para os seres humanos –, ela o questionou sobre suas capacidades para impedir que a Caixa Econômica do Tempo permanecesse enganando as pessoas. Será que não seria fácil você dar um jeito para que os ladrões de tempo não pudessem mais roubar tempo das pessoas?. Mestre Hora respondeu: Não, (…) são as próprias pessoas que devem decidir o que fazer com seu tempo. Também são elas que devem defendê-lo.

O tempo que nos cabe é nosso, desde os primeiros segundos que usamos para piscar os cílios ao amanhecer, até aqueles gastos no último suspiro de vida que damos sob a Terra. Tudo é nossa escolha.

Óbvio que somos movidos por muitos bons motivos quando decidimos nos debruçar sob as perspectivas futuras. Mas é necessário que sejamos prudentes nessas escolhas para que não nos deixemos cair nas armadilhas dos homens cinzentos e sejamos convencidos, como ocorreu ao Sr. Fusi, de que as escolhas impostas pela máxima do “tempo é dinheiro” não são, na realidade, nossas próprias.

Todo o tempo que não é percebido pelo coração é tão desperdiçado quanto seriam as cores do arco-íris para um cego ou o canto de um pássaro para um surdo, e, por isso, é tão importante que aprendamos a sentir cada um desses segundos que nos perpassam e vão embora antes mesmo de nos darmos conta. Tudo vira passado muito mais rápido do que o passo da caminhada rumo ao futuro, e é fundamental que cheguemos lá, um dia, com a memória fresca daquilo que nos atravessou durante a estrada.

A pequena Momo, enfrentando aventuras perigosas, aprendeu sob diversas perspectivas a importância do tempo e, assim, pôde dividir com seus amigos, que haviam sido capturados pelos homens cinzentos, o aprendizado de como reencontrar a felicidade em cada momento de suas vidas.

 

Ende, Michael. Momo e o Senhor do Tempo

Editora WMF Martins Fontes, 2012.

Artigo elaborado sob a orientação do Núcleo Humanismo e Empresa.

About
Muriel Cristina Vieira
Graduanda em História pela Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (Eflch/Unifesp), com ênfase em História Moderna e História da Justiça e do Direito, onde é integrante do Núcleo de Estudos Ibéricos e do Centro de Pesquisa em Probabilismo e Retórica Jurídica (CEPPRO). Atualmente, é pesquisadora do Núcleo Humanismo e Empresa (NUHEM) no ISE Business School.

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