Mas, afinal, por que o equilíbrio fiscal é importante?

Professor Oscar Simões

Imagine-se o leitor na situação de tomar recursos emprestados e ter a habilidade de refinanciar esse montante indefinidamente. De forma prática, à medida que uma dívida esteja vencendo, você acha uma segunda pessoa que gostaria de emprestar a você.

Você toma o dinheiro desta segunda pessoa e paga a dívida com a primeira. Esse tipo de mecanismo é chamado de rolagem de dívida. Inclusive é muito comum que estas rolagens aconteçam com os mesmos credores anteriores. Uma das entidades especializadas nesse tipo de negócio é o governo. O governo tem a capacidade de nunca pagar a sua dívida, mas de estar sempre rolando-a de maneira geral.

Porém, nem tudo são flores. Imagine que um governo passe a gastar mais do que arrecada de forma contínua ao longo dos anos. O que vai acontecer? Ele terá que tomar um volume de empréstimos cada vez maior, ou seja, além das rolagens da dívida anterior, novos empréstimos terão que ser tomados. Assim, há um aumento contínuo do estoque da dívida, que é a soma de todos os empréstimos num dado momento do tempo. Mas esse aumento do estoque da dívida é, em si, necessariamente ruim? Não necessariamente, pois o nível de endividamento dos governos é avaliado geralmente em pontos percentuais do PIB. Imagine que o governo esteja com certo déficit fiscal que cresce a 4% ao ano, ou seja, a cada ano a diferença entre o que ele gasta e o que arrecada é 4% maior do que no ano anterior. Suponha ainda que o país esteja crescendo a 4% ao ano. Haverá mudança na proporção da dívida em relação ao PIB, o também chamado índice Dívida/PIB? Não, pois ambos estão crescendo a 4%[1]. Seguindo nessa lógica, qual seria então o pior dos mundos? Um alto crescimento do déficit fiscal e um baixo crescimento do PIB.

Tomando o caso extremo acima, fica claro que o índice de dívida/PIB irá continuar aumentando ao longo do tempo, caso o déficit fiscal continue e caso o PIB continue a crescendo pouco. Mas, até quando esse governo continuará a obter empréstimos? Há algum ponto no qual esse índice fique demasiadamente alto a ponto de espantar os investidores/emprestadores? Há diversos estudos e debates sobre qual seria o limite deste índice e a verdade é que não há uma teoria que nos defina um limite máximo. Sabemos que países latino-americanos tem uma intolerância maior do que os países desenvolvidos. Basta pegar o caso do Japão, que tem uma dívida líquida de mais de 100% do seu PIB, em contraposição aos países latino-americanos, que não podem chegar perto dos 60% do PIB que já começam a sentir fortes pressões no sentido de reduzi-la.

Continuando com a nossa economia hipotética que vem gastando muito e crescendo pouco, ou seja, vem apresentando índices crescentes de dívida/PIB. Isso quer dizer que ninguém vai emprestar mais para essa pobre economia? Novamente, não necessariamente. Basta esse país compensar o investidor pelo risco a mais que ele está incorrendo. O famoso trade-off entre risco e retorno. Assim, um país nessas condições poderia pagar mais juros nos seus empréstimos e ele teria alta probabilidade de voltar a receber recursos, porém às custas de ter um serviço de dívida maior.

Mas quais são as consequências de se pagar juros mais elevados na dívida pública?

Agora precisaremos voltar aos conceitos de análise de investimentos, mais especificamente à taxa interna de retorno (TIR), que é a taxa implícita na relação entre investimento inicial e os retornos do projeto ao longo do tempo. Uma das formas de seguir em frente com um projeto de investimentos é termos a sua TIR maior que a taxa de juros de mercado. No caso do Brasil, esta taxa de mercado pode ser dada pela SELIC, considerada a taxa básica de juros da economia e que é proveniente da negociação diária dos títulos de dívida do governo.

Assim, um aumento dos juros de mercado pode vir a fazer com que projetos avaliados positivamente antes do aumento tornem-se menos atrativos após esse aumento (TIR do projeto passou a ser menor do que a SELIC). Assim, a subida de juros leva a um desincentivo a novos investimentos, que teriam a capacidade de gerar empregos e aumentar a capacidade de crescimento sustentável da economia. Da mesma forma, o consumidor que iria comprar um carro novo, uma vez que as parcelas cabiam no seu bolso, não irá mais fazê-lo após o aumento dos juros. Ou seja, um aumento dos juros levaria também a um decréscimo do nível de consumo das famílias.

Desta forma, os recursos são canalizados para o setor governamental, que costumam gastar mais com despesas de consumo do que com investimentos, diminuindo a capacidade de produção do país. Por que alguém investiria numa nova fábrica ou máquina se ele pode obter um rendimento tão bom quanto se aplicar em títulos do governo?
Em resumo, um aumento da dívida do governo por conta de sucessivos déficits pode vir a dificultar o aumento dos investimentos, que por sua vez são responsáveis por aumentar a capacidade produtiva de uma economia. Um outro ponto importante é que, até que essa tendência de grandes déficits não se reverta, não há possibilidades de que os juros pagos nesse financiamento sejam diminuídos. Ou seja, além de minar a capacidade produtiva, os altos déficits podem ser um dos fatores que levam os juros a ficarem em patamares altos. Por fim, e este será o tema que abordaremos no nosso próximo encontro, altos déficits públicos podem estar vinculados aos déficits nas contas externas também, os chamados déficits gêmeos. Ou seja, pode haver um link entre gastos do governo, equilíbrio das contas externas e a taxa de câmbio.

Portanto, o problema é sério e o governo, não à toa, fez questão de colocar alguém extremamente competente para cuidar dele. A questão que fica é se ele terá todos os recursos e o apoio necessários para fazer seu trabalho sem interferências. Isso só o tempo “dilmá”.

About
Oscar Simões
Diretor Acadêmico do ISE Business School, Diretor e Professor dos Departamentos de Economia e Direção Financeira, além de professor do Departamento de Direção Geral Doutorando em Economia | EESP-FGV, Mestre em Economia de Empresas | EESP-FGV, Graduação em Administração Pública | EAESP-FGV, PMD – Program for Management Development | IESE Business School Extensa experiência executiva na área financeira e de operações, lidando com produtos relacionados de tesouraria como câmbio, derivativos, commodities e renda fixa em São Paulo, Nova Iorque e Cidade do México. É também pesquisador do Centro de Macroeconomia Aplicada da EESP-FGV.